quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

O sentido da Vida humana

 


A VERDADE da nossa finitude

 

Dizem os espiritualistas que o Homem, por ter um cérebro capaz de emoções, sentimentos, linguagem articulada, cálculos, raciocínios abstractos, razão, inteligência, vontade, consciência de si e da sua finitude…, não pode acabar-se com a morte, como acontece com qualquer outro animal, chegado ao termo do seu Tempo. Seria uma excepção na Natureza e no Universo onde haja vida não inteligente. E seria uma espécie de semi-recta: começar num dado momento do Tempo e prolongar-se pela eternidade.

Ora, analisando tal pensamento, concluímos da sua “infantilidade”, numa visão de espírito científico, por serem nele dedutíveis vários “esquecimentos” fundamentais:

1 – Constata-se que tudo o que nasce tem um fim, dos vírus ou bactérias às estrelas. Sejam segundos ou milénios ou milhares de milhares de milénios que durem. A regra é universal e inexorável: “Ai começou? Então, acabou!” Seja ser vivo ou não vivo. Só não acaba o ou quem não começou. Esse será eterno e infinito! Talvez o conceito de infinito se aplique ao ESPAÇO onde, por razões que de certeza nunca serão conhecidas, apareceu, há cerca de 15 mil milhões de anos, este Universo e, nele, uma estrela e, nessa estrela, um planeta que dá pelo nome de Terra, Terra da qual brotaram e continuam a brotar todos os seres com vida, desde há cerca de 3.5 mil milhões de anos, cada um gozando o seu pedacinho de Tempo, conforme o seu ADN determina…, ignorando-se completamente que outros universos existirão nesse mesmo ESPAÇO:

2 – O cérebro é pura matéria energizada, i.é., conjunto de milhares de milhões de células nervosas que, interconectando-se, produzem não-matéria, ou seja, ideias, pensamentos, raciocínios, etc. Nasce aquando da formação do organismo ou corpo que o sustenta e morre com esse organismo. Ora, morrendo, desfaz-se nos átomos e moléculas de que é feito, tal como o todo orgânico onde se insere.

3 – Não há nenhum testemunho de algum ser inteligente, i. é, algum humano que, depois de ter morrido, tenha vindo comunicar com os outros humanos que cá ficaram ou que foram aparecendo, tal como ele apareceu. Pelo contrário, seguiram a norma universal.

4 – A ideia de o Homem sobreviver para além da morte, por toda a eternidade, é

uma pura invenção dos criadores das religiões, indo de encontro ao desejo de o

Homem, por um lado, não querer acabar-se com a morte, por outro, sentir em si

esse desejo inconcebível mas real. Daí as religiões terem tantos crentes. E dizem

terem Fé e que a Fé é que nos salva. Ora, não é pelo facto de alguém ter um

desejo que esse desejo se realiza, ou um sonho que esse sonho se materializa ou

uma Fé que aquilo em que acredita se torna realidade ou é a verdade!

A VERDADE NUA E CRUA É: o Homem pertence ao Tempo. Tudo o que puder fruir tem que fruí-lo no “seu” tempo! Seja no plano material do prazer físico, seja no espiritual do prazer intelectual, emocional, sentimental, o prazer/desprazer de ter consciência.

Esta a sua VERDADE, a sua REALIDADE!

Só nos resta, pois, aproveitar esta vida que é única e irrepetível para cada um de nós! O “Carpe diem” dos latinos. E, se formos inteligentes, será com um SORRISO, que o faremos, “enfrentando” a morte inexorável, com esse mesmo sorriso!

Assim, a CERTEZA ABSOLUTA é que a VIDA NÃO TEM QUALQUER SENTIDO ÚLTIMO PARA ALÉM DO AQUI E AGORA, NO TEMPO QUE É DADO VIVER AO SER QUE DELA ESTÁ FRUINDO.

O ser vivente, animal ou planta, não tem outra saída senão o eterno desaparecimento enquanto ser, enquanto indivíduo, seja de que espécie for.

Haja ou não o desejo de ser eterno! Sonhe-se ou não com um Céu e anjos e um Deus no seu trono…, como afirmam – sem qualquer prova e um total despudor irracional! – todas as religiões do mundo!

A espiritualidade serve ao Homem para não se embrutecer com o puro materialismo de que a nossa sociedade está impregnada, pensando-se apenas em consumir, em dar prazer ao corpo, corpo que sustenta o mesmo espírito/cérebro a que os clássicos chamavam alma.

É na espiritualidade que o Homem se enriquece enquanto humano, dando largas à sua imaginação criadora, às suas emoções e sentimentos, ao prazer intelectual de contemplar o BELO.

O ser vivente só desaparece como indivíduo, pois os átomos e moléculas de que é feito e que foi alimentando/renovando ao longo da vida integrar-se-ão na matéria, indo fazer parte de um outro qualquer corpo de ser vivo ou não vivo, na eterna e permanente rotatividade de tudo o existente. Aliás, como ele próprio foi integrando átomos e moléculas que pertenceram a outros mas que já se desintegraram como indivíduos e passaram a estar disponíveis como “consumíveis”! Que bela engrenagem: nada se perdendo, tudo se transformando! Dos vírus às estrelas, às galáxias, ao próprio universo observável, universo que temos o privilégio de percepcionar e tentar conhecer, nos seus fantásticos mistérios quanto ao seu início, à composição, evolução, dimensão e… fim, pois se começou também ele não poderá escapar ao veredicto universal de todo o “ser” que começa!

sábado, 26 de dezembro de 2020

Onde a Verdade da Bíblia? - Análise crítica - Novo Testamento (NT) - 292/?

 

À procura da VERDADE nos Evangelhos

Evangelho segundo S. LUCAS – 10/?

 – Em casa de Marta e de Maria, passa-se uma cena, interessante sem dúvida, mas de compreensão não muito clara. Maria sentou-se aos pés de Jesus para O ouvir e Marta andava muito atarefada, certamente a arranjar com que servir os convidados, pois as coisas, para ela, como para nós, não nos caem do céu para cima da mesa, se nós as lá não pusermos… E diz a Jesus: “Senhor, não Te importa que a minha irmã me deixe sozinha com todo o serviço? Diz-lhe que me venha ajudar!” Haverá pedido mais justo? Não gostaria Marta de estar aos pés de Jesus, ouvindo-O, esperando que “as coisas lhe caíssem do Céu”? “O Senhor porém respondeu: «Marta, Marta! Preocupas-te e andas agitada com muitas coisas; porém uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que lhe não será tirada.»” (Lc 10,40-42)

– Maria não só deve ter ficado com a alma a transbordar de alegria, por ter ali um defensor - o próprio Jesus! - mas também com o corpo bem reconfortadinho, sem sentir a obrigação de se levantar, pressurosa, a ajudar a irmã… Irmã, duplamente penalizada: preocupa-se em bem servir e ainda é admoestada, vendo sua irmã, preguiçando, sendo elogiada…

A suposta lição até se entende… Faz lembrar os lírios do campo que não tecem nem fiam… ou as aves do céu que não semeiam nem colhem e Deus lhes dá o alimento de que precisam…, ou ainda o “não vos preocupeis com o que haveis de comer ou de vestir pois o vosso Pai do Céu sabe bem do que precisais”… Mas são lírios, aves e despreocupações que realmente não nos alimentam o corpo que de tanto alimento necessita… O alimento da alma, esse, esse fica na penumbra do mistério! E… nas bonitas palavras de Jesus Cristo. Mas o que é certo é que Marta não deve ter ficado nada contente e não sabemos se terá perdoado a Cristo aquela lição, “linda” mas não tendo em conta a realidade da vida. Aliás, seria atitude realmente revolucionária se, por acaso, ele respondesse: “Vem também para aqui sentar-te e conversar um bocadinho. Depois, eu e Maria iremos ajudar-te a preparar os alimentos e a pôr a mesa.”

– Extrapolando, também nos faz lembrar Job e o Eclesiástico e a história ou parábola do homem rico que teve uma grande colheita, encheu os celeiros e disse para consigo: “«És feliz! Tens em depósito tantos bens, que te vão dar para muitos anos. Descansa: come, bebe e diverte-te!» Mas Deus disse-lhe: «Louco, esta noite vais morrer e tudo o que tens guardado para quem será?» Assim acontece com aquele que junta tesouros só para si mas não é rico aos olhos de Deus.” (Lc 12,19-21)

– Já sabemos que, segundo Jesus Cristo, as riquezas da Terra não levam ao Céu… Só não sabemos é como a pobreza - que é a riqueza aos olhos de Deus - lá nos levará! Alguém saberá dizer-no-lo, sem nos pedir que tenhamos …Fé?

É que, santo Deus, o Céu não existe e os olhos de Deus não sabemos que mais apreciarão no humano: se a sua Fé no que alguém lhe incutiu como verdade, embora sendo fruto da fantasia, se a sua teimosia em não aceitar nada que não seja comprovável aos olhos da razão, razão que o distingue dos outros animais.

Cremos que o Deus – Suprema Inteligência – apreciará mais o segundo que o primeiro…

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Onde a Verdade da Bíblia? - Análise crítica - Novo Testamento (NT) - 291/?

 

À procura da VERDADE nos Evangelhos

Evangelho segundo S. LUCAS – 9/?

– É também Lucas o único a narrar a linda e edificante história do bom samaritano. Escreve bem este Lucas! “Um certo doutor da Lei, querendo experimentar Jesus, perguntou-lhe: «Mestre, que devo eu fazer para ter como recompensa a vida eterna?» Jesus respondeu: «O que é que está escrito na Lei e como a entendes tu?» Disse o doutor: «Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento; e amarás o teu próximo como a ti mesmo.» Jesus disse-lhe: «Respondeste bem. Faz isso e terás a vida eterna.» Mas o doutor da Lei, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: «E quem é o meu próximo?»” (Lc 10,25-29)

– Jesus respondeu com a parábola do homem atacado por ladrões e que, maltratado e caído na berma da estrada, é desprezado pelo sacerdote que o vê mas passa ao lado, desprezado pelo levi que também o vê mas também passa adiante e é socorrido pelo samaritano que teve compaixão dele e o tratou. Então, perguntou ao doutor: “«Qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos salteadores?» E ele respondeu: «Aquele que usou de misericórdia para com ele.» E Jesus concluiu: «Vai e faz o mesmo.»” (Lc 10,36-37)

– A história é exemplar! Tremendamente humana! Embora nos deixe as eternas dúvidas acerca do divino… No A.T., apesar de prevalecer o amor a Javé, e o “Olho por olho”, apela-se algumas vezes para o amor ao próximo (Lv 19,18; Pr 24,18; Eclo 10,6; Mq 6,6-8). No entanto, a mensagem que Jesus quer fazer passar é clara. A evocação da Lei é certamente para reforçar tal mensagem.

E já noutros lugares, perguntámos o que é realmente amar a Deus com todo o entendimento, com todas as forças, com toda a alma, com todo o coração. Alguém saberá dizer-no-lo?

Finalmente - ou mais uma vez! - a resposta à nossa angustiante pergunta, a que também o doutor da Lei - e acreditemos que de boa fé… - não sabia responder ou não compreenderia a resposta: “Como alcançar a vida eterna?” - “Amar o próximo” é a resposta entendível, compreensível por nós humanos, já que não sabemos o que é realmente “amar a Deus”. Mas… - também mais uma vez! - não passamos além do humano. E a ponte que quiséramos estabelecer entre a Terra e o Céu, entre o humano e o divino, entre o Homem e Deus, entre termos apenas esta vida ou também a eterna, esvai-se em nevoeiro, deixando-nos Cristo de mãos e mentes vazias sem saber afinal a que realidade nos agarrarmos.

É! Acaso o “amar o próximo” nos arranca da Terra, da nossa condição humana e nos transporta para o Céu, no Além da morte? E não é isso que nós queríamos saber? E não é isso que ficamos sem saber? E não terá sido isso que realmente o doutor da Lei quereria saber?

E certamente não acreditou em Cristo porque, compreendendo embora qual o próximo daquele homem maltratado, não conseguiu ver como tal acto o levaria ao Céu e à imortalidade e… à vida eterna! Tal como nós!…

Enfim, apenas notemos a “farpa” lançada por Jesus contra o sacerdote e o levi que, sendo homens do Templo e do serviço de Deus, nada fizeram por alguém que de tanto auxílio necessitava… Seria o Jesus-homem ou o Jesus-Deus que tal “farpa” congeminou?…

sábado, 12 de dezembro de 2020

Bendito sejas, meu adorado Natal!

 

 Natal, festa da partilha

 Interessante: as religiões estão cheias de festas, festas que encantam, seduzem, alegram a gente, mas todas baseadas em não-factos, em lendas, em superstições, invenções ou fantasias que, à força de se repetirem como realmente históricas, passaram de algum modo a ter tal estatuto de veracidade, perante os crentes.

Antes de abordarmos a problemática inventiva do Natal, lembremos, por exemplo, Santiago de Compostela. Historicamente, a fazer fé nos evangelhos, sabe-se que Tiago foi um dos discípulos de Jesus e que terá sido assassinado em Jerusalém e aí, obviamente, sepultado. No entanto, a lenda fá-lo apóstolo da Ibéria e, embora tenha morrido em Jerusalém, os seus discípulos trouxeram o corpo para o extremo norte da Península, a Galiza, sepultando-o no lugar de Compostela. O túmulo terá sido encontrado milagrosamente, no séc. IX e, desde então, as peregrinações a esse lugar foram aumentando, não só de Espanha, mas também de França, Inglaterra, Portugal, entre outros, tendo-se, no entanto, construído uma magnífica igreja no local do suposto achado, bem como aposentos para acomodar os cansados peregrinos.

Nesta situação lendária e sem qualquer suporte histórico válido, estão todos os santuários do mundo, muitos deles de fama regional, outros de renome internacional, como Fátima em Portugal ou Guadalupe no México. E há sempre devotos e fiéis em romaria, ora pagando promessas feitas em tempos de aflição, ora fazendo turismo, o já chamado turismo relogioso, dando largo contributo financeiro e muito prestígio à Igreja que não descura tal fonte de receitas…

E o Natal? Que belas recordações tenho eu da época natalícia da minha meninice, em que me deliciava com os bombons que o Menino Jesus me deixava no sapatinho, naquela noite venturosa! Que gostinho, santo Deus! Não tivesse havido Natal e eu de nada daquilo teria saudades…

Mas o Natal, do ponto de vista histórico, enferma essencialmente de duas grandes não-verdades:

1 – Jesus não nasceu a 25 de De Dezembro: desde a antiguidade que se celebrava o solestício do Inverno, por ser o momento de viragem do ano, em que os dias começavam a crescer, havendo pois mais luz e mais esperança em boas colheitas e novos frutos. E as festas eram dedicadas a Mitra, o Deus-Sol, festas acompanhadas de banquetes e reunião de famílias bem como troca de presentes. A igreja nascente só pelo séc. IV é que começou a dedicar importância ao nascimento de Jesus e – brilhante ideia! – não haveria data melhor do que a deste solestício pois, comemorando-se aí o Natal de Jesus, substituíam-se as festas pagãs em honra de Mitra, fazendo-se de Jesus o “Sol”, a Luz do mundo…

2 – No evangelho de Lucas são evidentes as influências de descrições do nascimento de deuses antigos, nos quais também havia coros celestiais, estrelas anunciadoras do evento, visitas cordiais umas, outras com maléficas intenções de perseguição ao deus que ninguém sabia se vinha para fazer o Bem ou para infernizar a vida dos Homens. Portanto, é muito provável que Jesus, além de não ter nascido em Dezembro, não nasceu num estábulo, nem houve anjos a anunciar o seu nascimento aos pastores (esta, impossível de todo porque os anjos simplesmente não existem!), nem reis magos que seguissem uma estrela que os conduziria ao “presépio” e outros pormenores deliciosos em escrita imaginativa mas que nada têm de histórico.

No entanto, são os pormenores descritos por Lucas que deram origem às mais belas tradições musicais e pictóricas que a humanidade conhece. Mais do que qualquer outro deus, rei ou rainha, imperador ou imperatriz. E levaram à criação do formoso e tradicional presépio, encanto de crianças e adultos, cuja primeira autoria se atribui a Francisco de Assis, séc. XIII.

Assim, temos uma mãe que dá à luz em situação quase humilhante, depois, o ambiente pastoril e idílico que rodeia o acontecimento: animais do estábulo, criando um ar acolhedor atenuando o rigor do frio, pastores que estariam no campo ao relento (coisa impossível em Dezembro!) vindo alegremente cantando alleluias, depois, os reis magos trazendo presentes…, enfim, um menino-Deus que nasceu assim tão pobrezinho, vá-se lá saber porquê, deitado em palhinhas... Lá que é emocionante, é! Cativante também! Inspirador, sem dúvida!

A invenção moderna do pai natal e do pinheiro só vieram emoldurar o folclore essencialmente religoso que existia.

Mas viva o Natal mesmo que não tenha existido Natal nenhum, pelo menos como no-lo contam e como o festejamos! Pois o que importa é a festa e o espírito de partilha e de solidariedade que o inspiram, que nos inspiram!

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Onde a Verdade da Bíblia? - Análise crítica - Novo Testamento (NT) - 290/?

 

À procura da VERDADE nos Evangelhos

Evangelho segundo S. LUCAS – 8/?

 – “Jesus ia de terra em terra, anunciando a Boa Nova do Reino de Deus. Os doze apóstolos andavam com Ele, bem como algumas mulheres que Ele tinha curado de espíritos maus e de doenças (…) e que, com os seus bens, ajudavam Jesus e os discípulos.” (Lc 8,1-3)

– Constata-se mais uma vez que o impacto dos milagres de Jesus, como a espectacular ressurreição do morto, narrada há pouco, e estas curas de doenças e de expulsão de espíritos malignos, não parece ter sido muito grande junto das multidões que os presenciaram. Porque não houve um povo inteiro mensageiro da Boa Nova? E, aqui, apenas os doze e algumas mulheres que decidiram ajudar a causa – certamente dando dinheiro, comida, vestuário e abrigo… – com os seus bens?

– Embora semelhante ao envio dos doze, narrado por Mateus (10,5-15), Marcos (6,7-13) e o próprio Lucas (9,1-6), Lucas é o único a referir o envio de setenta e dois discípulos: “Escolheu setenta e dois discípulos e enviou-os à sua frente a todos os lugares e cidades aonde Ele próprio devia ir: (…) «Ide! Envio-vos como cordeiros para o meio de lobos. Não leveis bolsa nem sacola, nem sandálias e não pareis no caminho para cumprimentar ninguém. Em qualquer casa onde entrardes, dizei primeiro: ‘A paz esteja nesta casa.’ Se ali morar alguém de paz, a vossa paz irá repousar sobre ele; se não, ela voltará para vós. Permanecei nessa casa, comei e bebei do que tiverem, porque o trabalhador merece o seu salário. Não andeis de casa em casa. Quando entrardes numa cidade e fordes bem recebidos, curai os doentes que nela houver. E dizei ao povo: ‘O Reino de Deus está próximo de vós!’ Mas quando entrardes numa cidade e não fordes bem recebidos, saí pelas ruas e dizei: ‘Até a poeira desta cidade que se pegou aos nossos pés, sacudimos contra vós. Apesar disso, sabei que o Reino de Deus está próximo.’ Eu vos afirmo: no dia do julgamento, Deus será mais tolerante com Sodoma do que com aquela cidade.»” (Lc 10,1-12)

– Setenta e dois! Muitos discípulos! Não entendemos porque é que iam para o meio de lobos. Eram assim tão perigosas as gentes daqueles tempos, fundamentalistas que matariam quem não fosse da sua cor religiosa? – Certamente! E talvez daí, o não cumprimentarem ninguém no caminho…

Que o trabalhador mereça o seu salário não há dúvida. No entanto, haveria muitos que não reconheceriam como trabalho a pregação da chamada Boa Nova e do Reino de Deus, mensagem que, afinal, Jesus Cristo nunca explicitou bem o que fosse. Pelo contrário, julgá-los-iam – e com razão! – mais uns charlatães que não teriam qualquer merecimento e quereriam viver à custa do real trabalho do seu semelhante…

Mas… não bastaria eles curarem um ou dois doentes, expulsar um ou dois demónios, em cada cidade, para logo ali toda a gente lhes oferecer casa, comida, repouso e conforto? Tinham tão pouca força aqueles milagres para que Jesus tivesse de ameaçar aquelas cidades, comparando-as com a condenada Sodoma?

Aliás,… quantos milagres teriam eles realizado? Quantas curas? Todo aquele discurso teria sido evitado se Jesus pura e simplesmente lhes dissesse: “Fazei muitos milagres e todos vos reconhecerão como enviados de Deus!”

– A resposta vem dos próprios discípulos: “Os setenta e dois voltaram muito alegres dizendo: «Senhor, até os demónios nos obedecem por causa do teu nome.» Jesus respondeu: «Eu vi Satanás cair do céu como um relâmpago. Olhai que vos dei poder de andar sobre cobras e escorpiões e sobre toda a força do inimigo e nada vos poderá fazer mal. Contudo, não vos alegreis porque os maus espíritos vos obedecem; alegrai-vos antes porque os vossos nomes estão escritos no Céu.»” (Lc 10,17-20)

– Não se percebe porque é que Jesus refreia a alegria dos discípulos, sentindo neles o poder de fazer milagres, embora não falem em curas mas em expulsão dos demónios que abundavam por aquelas paragens, naqueles tempos… O Satanás a cair do céu é suposta realidade que só nos confunde… O que terá Jesus visto realmente? As cobras, os escorpiões e o inimigo certamente são símbolos do Mal, mal que também não se entende muito bem o que seja. E o que será ter os nomes escritos no Céu? É que, meu Deus, o Céu não existe! E o diabo também não!

Enfim, novamente se fala em “julgamento” final, em que Deus será mais tolerante com Sodoma do que com as cidades que rejeitaram a Boa Nova. Mas… novamente, ficamo-nos pelas palavras, sem saber nem onde, nem quando, nem como será tal julgamento…

Nem, afinal, o que é a… Boa Nova!



sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Onde a Verdade de Bíblia? - Análise crítica - Novo Testamento (NT) - 289/?

 

À procura da VERDADE nos Evangelhos

Evangelho segundo S. LUCAS – 7/?

 – Outro episódio narrado apenas por Lucas e que não nos deixa de intrigar, é passado em casa de um fariseu que convidara Jesus para uma refeição:

“Apareceu então certa mulher, conhecida na cidade como pecadora. Ela, sabendo que Jesus estava à mesa na casa do fariseu, levou um frasco de alabastro com perfume. A mulher colocou-se por detrás, chorando aos pés de Jesus. Com as lágrimas banhava-Lhe os pés e enxugava-os com os seus cabelos; cobria-os de beijos e ungia-os com perfume. Vendo isso, o fariseu que havia convidado Jesus, pensou: «Se este homem fosse mesmo um profeta, saberia que a mulher que Lhe está a tocar é pecadora.» (…) Jesus disse-lhe: «Quando entrei em tua casa, não Me ofereceste água para lavar os pés; ela porém, banhou-Me os pés com lágrimas e enxugou-os com os cabelos. Não me deste o beijo de saudação; ela porém, desde que entrei, não deixou de Me beijar os pés. Não derramaste óleo na minha cabeça; ela porém ungiu-Me os pés com perfume. (…) A quem muito amou, muito foi perdoado.» (…) Então, Jesus disse à mulher: «Os teus pecados estão perdoados. Vai em paz! A tua fé te salvou.» (Lc 7,37-50)

– Escreve bem este Lucas! A cena, assim descrita, é comovente, toca a alma… Não sabemos que sentimento levou aquela mulher, rotulada de pecadora, a prostrar-se aos pés de Jesus, chorando, enxugando, beijando, ungindo… Que pretenderia ela realmente? Que lhe fossem perdoados os pecados e, em seguida, deixar aquela “vida”? Como veria ela Jesus? Como um belo homem para ser amado ou como um profeta, um enviado de Deus com poder de perdoar pecados?

Presume-se que fosse prostituta. Logo… pecadora aos olhos do “mundo”! Então, onde teria ela a condenação? No tempo, enquanto a troco de boa soma, embora, assumia comportamentos de risco, de violência, de doenças, de indesejáveis gravidezes, atormentando-lhe assim corpo e alma com permanentes receios ou… nessa misteriosa eternidade apregoada por esse misterioso Jesus? É que a prostituta, a sociedade aceita e… condena, usa e… condena, chama chaga social mas fecha os olhos e não sabe ou não quer encontrar razões da sua existência e do facto de ser profissão tão velha como a humanidade… De facto, pode afirmar-se que desempenha uma função social e, por isso, tolerável aos olhos de todos embora ninguém queira aceitar, por pruridos de uma falsa pureza da sociedade…

No entanto, ali, não seria de esperar outra coisa de Jesus senão defendê-la. Embora talvez não de maneira tão convincente, tão insistente, tão… “apaixonada”!

Resta-nos perguntar onde estará agora essa mulher que, embora anónima, também será lembrada enquanto houver homens que leiam estes testemunhos acerca de Jesus Cristo. Teria voltado à “vida”, estando agora no inferno, ou, tendo-se dedicado à caridade e a outros amores mais puros, está, desde há dois mil anos, na bem-aventurança do Céu? Quiséramos tanto saber, não é?!…

Lembraremos, no entanto, que o inferno não existe e que o Céu – infelizmente, tão infelizmente, meu Deus! – também não. Por isso, é fácil a resposta…

Enfim, a cena não deixa de ser, por um lado, uma manifestação de amor, de coragem, de arrependimento, por parte de uma mulher que estaria carente de afectos, já que só receberia enxovalhos de quem dela usava e abusava, fosse ou não a troco de algumas moedas sofridas e envenenadas, sem um sorriso, um carinho, uma palavra de simpatia…; por outro, revela-nos um Jesus no seu melhor, defendendo um dos elos mais fracos da sociedade.

sábado, 21 de novembro de 2020

Onde a Verdade da Bíblia? - Análise crítica - Novo Testamento (NT) - 288/?

 

À procura da VERDADE nos Evangelhos 

Evangelho segundo S. LUCAS – 6/?

– Eis um milagre apenas narrado por Lucas: “O morto era o filho único de uma viúva. Grande multidão ia com ela no funeral. Ao vê-la, Jesus teve compaixão dela e disse-lhe: «Não chores!» Depois, aproximou-Se, tocou no caixão e os que o transportavam, pararam. Então, Jesus disse: «Jovem, eu te ordeno, levanta-te!» O morto sentou-se e começou a falar. (…) A notícia do facto espalhou-se pela Judeia e por toda a redondeza.” (Lc 7,12-17)

– É um estrondoso milagre que nos leva a perguntar por que razão os outros evangelistas não o referem. Não será maior milagre ressuscitar um morto do que curar um doente? – Talvez não! Quando se trata do divino, o poder está acima da matéria seja para lhe devolver a vida seja para inverter o seu curso numa qualquer doença…

Aqui, a grande questão permanece: “Porque é que vendo tamanho milagre, perante tantas testemunhas, não se tornaram todas essas testemunhas em apóstolos de Cristo, pregando a toda a humanidade a Boa Nova? Pois, imaginemos que tal facto se passava hoje, não numa aldeia desconhecida do mundo mas numa grande cidade, num funeral de herói ou de santo, onde houvesse total cobertura televisiva… Quem não acreditaria em quem tal milagre fizesse? Quem, vendo com os próprios olhos o morto que estava ali, de novo vivo e, falando com ele, não se renderia à evidência do sobrenatural, do Além, da mensagem que tal mensageiro pregasse? Então, porque espera Deus para vir cá de novo e proceder de tal modo, já que a vinda de Jesus, há 2000 anos, ainda não deu os frutos esperados?” - desculpem-nos esta pergunta já várias vezes repetida. É que não só não deu frutos como parece ter sido “muito trabalho” para tão pouco proveito, apresentando-se, aos olhos de um crítico, como projecto inconcebível num humano quanto mais em Deus…

E lá se vão perdendo, nos milhões que morrem dia a dia, tantos possíveis eleitos que, sem acreditarem, não vão parar ao Céu mas sabe-se lá aonde!… É: se o Deus de Jesus Cristo realmente existe, terá forçosamente de no-Lo enviar de novo e agora e já, na era das novas tecnologias, para que nenhuma das suas “ovelhas”, que somos todos nós, se perca. De outro modo, toda a sua suposta manifestação aos Homens através do seu suposto Filho, há dois mil anos, deixa de ter qualquer credibilidade.

Assim como deixam de ter qualquer credibilidade todos os supostos milagres narrados nos evangelhos. O de hoje, também. Aqui, foi Lucas a dar asas à sua imaginação de escriba, lançando mais uma acha na fogueira da Fé e conquistar mais crentes para a religião que se estava implementando.

 

sábado, 14 de novembro de 2020

Onde a Verdade da Bíblia? - Análise crítica - Novo Testamento (NT) - 287/?

 

 

À procura da VERDADE nos Evangelhos 

Evangelho segundo S. LUCAS – 5/?

– No sermão das bem-aventuranças, Mateus omite e Lucas acrescenta a parte condenatória: “Mas ai de vós, os ricos, porque já tendes a vossa recompensa! Ai de vós que agora tendes fartura, porque ireis passar fome! Ai de vós que agora rides porque ireis ficar aflitos e chorar! Ai de vós se todos vos elogiam porque era assim que os vossos antepassados tratavam os falsos profetas.” (Lc 6,24-26)

– Nunca entenderemos porque é que o Reino de Deus é apenas para os pobres e os humildes… Ou porque é que esses hão-de ter uma bem-aventurança eterna e os outros uma condenação também eterna…

Ou porque é que quem chora agora vai rir depois e quem ri agora tem de depois chorar… Pois, para quê o sofrimento agora ou depois? Porque não fartura e gozo e riso e felicidade para todos no tempo e na eternidade se a houver? Não seria este o grande objectivo humano e muito mais divino, em relação ao Homem, em vez de passarmos o pouco tempo que temos de vida a condenar uns e a exaltar os outros? Terão realmente algum sentido aquelas condenações bem como a frase: “Quem se humilha será exaltado e quem se exalta será humilhado.”? (Lc 14,11; 18,9-14)

– Aqui, vale a pena repetir o que é talvez o ponto mais alto - e mais revolucionário em relação às Escrituras do “Olho por olho, dente por dente judaico tradicional”! - da mensagem de Jesus Cristo: “Amai os vossos inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam. Desejai o bem aos que vos amaldiçoam e rezai por aqueles que vos caluniam. Se alguém vos bater numa face, oferecei-lhe também a outra. Se alguém vos levar a capa, deixai que leve também a camisa. Dá a quem te pede e se alguém se apodera do que é teu, não lhe peças que to devolva. Fazei aos outros o que desejais que os outros vos façam a vós. Pois… se amais somente os que vos amam,… se fazeis o bem somente aos que vos fazem bem,… se emprestais somente àqueles de quem esperais receber,…. que merecimento tereis? Vós, amai os inimigos, fazei o bem e emprestai sem esperar coisa alguma em troca. Assim tereis uma grande recompensa e sereis filhos do Altíssimo.” (Lc 6,27-35)

– Fantástico! Que paz universal, meu Deus, com tal programa de atitudes! Como deixaria de haver inimigos e pobres e ladrões e traficantes pois todos pensariam em dar sem receber, desejar o bem aos que amaldiçoam, perdoando e sendo perdoados, oferecendo a outra face ao agressor que perdera o controle, vindo pedir-nos desculpa, depois, envergonhado perante a nossa tamanha dignidade!…

Mas… utópico ou possível? Mesmo que seja utópico, não deixa de ser tremendamente belo!

Só não sabemos onde é que vamos receber a recompensa de tal procedimento, se na Terra se no Céu, se no tempo, se na eternidade... Nem o que é sermos filhos do Altíssimo. Nem quem é o Altíssimo. Nem se o sermos seus filhos nos leva a essa vida eterna…

Enfim, das várias máximas de construção da fraternidade universal preconizadas – quase todas de difícil execução devido ao caracter tendencialmente perverso e egoísta do ser humano – é sem dúvida paradigmática e contundente aquela: “Fazei aos outros o que desejais que os outros vos façam a vós.” E teríamos uma sociedade perfeita, sem todas essas guerras, fomes, injustiças, tantos crimes de Homens contra outros Homens!

Grande Jesus Cristo! Que pena que a “tua” sociedade continue sendo uma desesperante utopia!

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Onde a Verdade da Bíblia? - Análise crítica - Novo Testamento (NT) - 286/?

 

À procura da VERDADE nos Evangelhos 

Evangelho segundo S. LUCAS – 4/?

 – “Quando se completaram os oito dias para a circuncisão do menino, deram-lhe o nome de Jesus. (…) E levaram o menino a Jerusalém para o apresentarem ao Senhor. (…) Havia em Jerusalém um homem chamado Simeão. (…) Movido pelo Espírito Santo, Simeão foi ao Templo. Quando os pais levaram o menino (…), Simeão tomou-O nos braços e louvou a Deus, dizendo: «Agora, Senhor, podes deixar partir o teu servo em paz. Porque os meus olhos viram a tua salvação que preparaste diante de todos os povos: luz para iluminar as nações e glória do teu povo Israel.» (…) E disse a Maria: «Eis que este menino vai ser causa de queda e elevação de muitos em Israel. Ele será um sinal de contradição. Quanto a ti, uma espada de dor há-de atravessar a tua alma.»” (Lc 2,21-35)

– É episódio também apenas narrado por Lucas. A profecia de Simeão realizar-se-á. Mas, quando Lucas escreve, tudo isto já tinha acontecido, umas dezenas de anos antes: Jesus, sinal de contradição, a dor de Maria vendo Jesus morrer na cruz, etc.… Só resta perguntar quem terá constatado toda esta cena devota e dela reteve memória.

– A encerrar a narrativa da infância de Jesus – narrativa que os outros três evangelistas omitem – vem o episódio talvez o mais pitoresco de todos os Evangelhos, mas não deixando de nos intrigar pela sua imprevisibilidade: “Quando o menino completou doze anos, subiram a Jerusalém para a festa da Páscoa. Passados os dias da Páscoa, voltaram mas o Menino Jesus ficou em Jerusalém, sem que seus pais o notassem. Pensando que o menino estivesse na caravana, caminharam um dia inteiro. Depois, começaram a procurá-lo e, não o tendo encontrado, voltaram a Jerusalém. Três dias depois, encontraram-no no Templo. Estava sentado no meio dos doutores a ouvi-los e a fazer-lhes perguntas. (…) Ao vê-lo, sua mãe disse-lhe: «Meu filho, porque fizeste isto connosco? Olha que teu pai e eu andávamos angustiados à tua procura.» Jesus respondeu: «Porque me procuráveis? Não sabíeis que eu devia estar na casa de meu Pai?» Mas eles não compreenderam o que o menino acabava de lhes dizer.” (Lc 2,42-51)

– Poderíamos dizer que nós também não compreendemos. Aliás, que pais compreenderiam? E como saberiam que Ele deveria estar na casa de seu Pai? E é com algum sentimento de crítica que constatamos tal atitude de Jesus e tal resposta sem um pedido de desculpas, como se os sentimentos de uns pais aflitos e angustiados fossem assim para deitar fora… Não o são para os Homens, porquê o seriam para Deus?

É! Lá que tivesse as suas razões “divinas” (teria?!), aceita-se, embora devesse ter delas avisado os seus pais. Agora que nem desculpa peça por tal acto, para Ele plenamente justificado, não se admite…

E porque é que o Templo é a casa do Pai de Jesus Cristo? Mesmo simbolicamente, porque atribuir uma casa a Deus? Em vez de “casa de meu Pai”, Jesus deveria ter dado o exemplo e ter desmistificado tal realidade que, se levou a que se construíssem tantas obras de arte que são património da humanidade, também deturpou a ideia de Deus, humanizando-O, localizando-O, fechando-O em Igrejas e sacrários, quando Deus tem de estar em toda a parte, em todo o lugar, em todo o tempo, em todas as coisas, porque é eterno e infinito e tudo o que existe nele está contido e não o contrário…

Enfim, que perguntas faria Ele aos doutores? Não conhecia Ele, como Deus, desde toda a eternidade, tudo o que os doutores sabiam? Ou… era já para os experimentar? Já para lhes exacerbar corpo e alma e O levarem à morte, como levaram vinte e um anos mais tarde, cumprindo assim as tais Escrituras, inspiradas por aquele seu Pai?

A ser verdade a dicotomia Deus-homem em Jesus, isso constituiria sempre um mistério. Aprenderia Ele como homem aquilo que já sabia como Deus? Aliás, que cérebro informaria Jesus, aos 12 anos? Um cérebro em desenvolvimento, como o de qualquer jovem, e que se ia apercebendo de que era informado por uma realidade… divina ou um já “Deus em corpo pequeno”?

Mais uma vez, a resposta mais sensata é a de que estamos não no campo histórico, mas no campo da fantasia, construindo-se uma personagem que viria a tornar-se o centro de uma religião nascente.


sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Onde a Verdade da Bíblia? - Análise crítica - Novo Testamento (NT) - 285/?

 

 

À procura da VERDADE nos Evangelhos

Evangelho segundo S. LUCAS – 3/?

 – A visita de Maria a Isabel é toda cheia de graça e graciosidade: “Entrou na casa de Zacarias e saudou Isabel. Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança estremeceu dentro dela e Isabel ficou cheia do Espírito Santo, dizendo: «Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar? Logo que ouvi a tua saudação, a criança saltou de alegria no meu ventre. Feliz de ti que acreditaste, pois há-de acontecer tudo o que te foi dito da parte do Senhor.” (Lc 1,40-45)

– Os milagres continuam a acontecer! É Isabel que fica iluminada, é a criança que salta, é a profecia de que tudo vai acontecer como fora prometido a Maria…

Completa-se aqui a primeira parte do “Avé Maria” que encheu de graça as nossas bocas de criança e de inspiração músicos como Schubert ou Gounod…

No entanto, não podemos deixar de frisar que Lucas continua na senda da narrativa do que lhe contaram e não do que consideraria ou não histórico. Por isso, a veracidade do narrado como acontecido é simplesmente nula. Bonito, embora!

– O Cântico de Maria - o Magnificat - “A minha alma proclama a grandeza do Senhor…” (Lc 1,40) é realmente belo, imitando os mais belos cânticos das antigas Escrituras. Mas… quem lho terá ouvido? Quem o terá retido para dele dar fiel reprodução? Ou… quem o terá escrito e colocado na boca de Maria?

E logo nasce João Baptista, sendo-lhe dado o nome de João como Gabriel havia dito a Zacarias que, a partir daquele momento, voltou a falar…:“O pai Zacarias, cheio do Espírito Santo, profetizou dizendo: «Bendito seja o Senhor, Deus de Israel (…) E tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo, porque irás à frente do Senhor para Lhe preparar os caminhos. (…)»” (Lc 1,67 e 76)

– Também perguntaríamos: “Quem reteve tais palavras para delas dar fiel testemunho a Lucas que no-las transmitiu?”

E se houve milagre no castigo da mudez de Zacarias, também o houve no seu voltar a falar… Muitos milagres havia naquele tempo, santo Deus!…

– Segue-se o nascimento de Jesus como já Mateus contara no seu Evangelho.

Mas Lucas dá lugar ao maravilhoso que, se por um lado embeleza a sua narrativa, por outro retira-lhe credibilidade histórica… “Naquela região, havia pastores (…) Um anjo do Senhor apareceu aos pastores (…): «Não tenhais medo! Eu anuncio-vos a Boa Nova que será motivo de grande alegria para todo o povo: hoje na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias, o Senhor. Poderão reconhecê-Lo assim: encontrareis um menino envolto em panos e deitado numa manjedoira.» De repente, juntou-se ao anjo uma grande multidão de anjos, cantando louvores a Deus, dizendo: «Glória a Deus no mais alto dos Céus e paz na Terra aos homens por Ele amados.» Mal os anjos partiram para o Céu, os pastores (…) foram à pressa e encontraram Maria e José e o recém-nascido deitado numa manjedoira.” (Lc 2,7-16)

– Realmente, o maravilhoso encanta! Os anjos – essas figuras irreais aladas – falando e cantando… também! É o Natal!

E são tantas as canções que, ao longo da História, se compuseram a propósito desta narrativa! E não há quem não se deixe encantar por toda a imensa poesia idílico-pastoril criada à volta de uma vida que nasce assim, romanticamente pobre, sendo supostamente divina!

Mas o real histórico de que Cristo tenha nascido numa manjedoira na cidade de David fica envolto em dúvidas, dúvidas que nos roubam o gostinho dos presépios milenares…

sábado, 24 de outubro de 2020

Onde a Verdade da Bíblia? - Análise crítica - Novo Testamento (NT) - 284/?

 

À procura da VERDADE nos Evangelhos

Evangelho segundo S. LUCAS – 2/?

 – Continua Lucas, narrando as histórias que lhe contaram:

– “No sexto mês de gravidez de Isabel, Deus enviou o anjo Gabriel a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré para falar com uma jovem chamada Maria, que estava noiva de José, descendente do rei David. (…): «Eu te saúdo, ó cheia de graça! O Senhor está contigo! (…) Não tenhas medo, Maria, porque encontraste graça diante de Deus. Vais ficar grávida e terás um filho a quem vais pôr o nome de Jesus. Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo. E o Senhor dar-Lhe-á o trono do seu pai David e Ele reinará para sempre sobre os descendentes de Jacob. E o seu reino não terá fim.» Maria perguntou ao anjo: «Como vai acontecer isso, se sou virgem?» O anjo respondeu: «O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. Por isso, o Santo que vai nascer de ti será chamado Filho de Deus. Também a tua parente Isabel, apesar da sua velhice, concebeu um filho. Aquela que era considerada estéril já há seis meses que está grávida. Para Deus, nada é impossível.»” (Lc 1,26-37)

– Este texto é fundamental na origem do Cristianismo! Lucas é também o único evangelista a narrar tal “facto” que certamente lhe contaram, com devota religiosidade, umas dezenas de anos depois de ter acontecido e já fazendo parte da tradição catequética da primitiva Igreja. O grande milagre acontece: uma virgem vai dar à luz, sem ter conhecido homem. Mas dentro da economia do milagre, este era milagre que se impunha da parte de Deus. Com todo o seu poder no Céu e na Terra, porque não fazer nascer o seu filho muito amado de modo diferente do de qualquer humano?

Mas… que trono de David é aquele? Que reino sobre os descendentes de Jacob, o mesmo é dizer sobre os israelitas? E como não terá fim o seu reino… na Terra ou no Céu?

E porque volta a existir um anjo, anjo que tem de argumentar com o que aconteceu a Isabel para convencer Maria? Ou quis apenas dar-lhe a notícia?

Aliás, perante tal convite-imposição divina, que poderia dizer Maria senão: «Eis a escrava do senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra.»? (Lc 1,38) Imaginemos que recusava… Que castigo ali lhe seria dado, a avaliar pelo castigo dado a Zacarias apenas por ter questionado o que não entendia?…

Um anjo – o mesmo mensageiro de Deus enviado a Zacarias, marido de Isabel, prima de Maria, Gabriel – na base da construção do Cristianismo! Mas… os anjos não existem, santo Deus! São simpáticas figuras puramente lendárias ou fantasiadas pelos humanos que criaram o Olimpo dos deuses, ou o Céu, morada de Deus, e pelo Céu circulam diafanamente, aladamente… Então?!

Depois, Maria ser fecundada pelo Espírito Santo é… fantasia a mais, Senhor! Claro que os criadores do Cristianismo dizem tratar-se de um mistério. Neste caso, de dois: o mistério da Santíssima Trindade (Pai, Filho e Espírito santo) e o mistério da Encarnação, de cujo milagre vai nascer o Filho, feito homem, ou o Verbo Encarnado, como os medievais lhe chamaram! Lucas, inspirado ou não, faz renascer aqui as lendas antigas do nascimento de deuses, de virgens também fecundadas por outros deuses. Como se tratava do nascimento do Filho de Deus, tinha que haver “divino” no seu nascimento. O conceito de Santíssima Trindade talvez tenha sido importado das religiões orientais.

No entanto, não deixa de se passar algo caricato: o Espírito Santo que é Deus com o Pai e o Filho vai fecundar Maria para dela nascer o mesmo Filho? Uma total confusão que nem o mistério consegue salvar. Os inventores da Santíssima Trindade e do mistério da Encarnação de certeza que não pensaram nisso. Ou, então, pensaram que lhes bastaria dizer que era… Mistério!

Conclusão: Uma história bonita para se contar a crianças. Mas, obviamente, não para dar credibilidade histórica a Jesus, como Filho de Deus, em cuja aura se baseia o Cristianismo.

Enfim, de histórico, retira-se simplesmente que Maria ficou grávida, antes de casar com o seu noivo José, tendo dessa gravidez nascido Jesus.

No entanto, sendo facto tão relevante na história do Cristianismo, é muito estranho que seja omisso nos outros evangelhos. Muito estranho mesmo!

 


domingo, 18 de outubro de 2020

A VIDA, milagre divino ou resultado imparável da evolução da matéria “inerte” energizada?

 


 Da origem da VIDA

Tendo o assunto já aqui sido abordado apenas na óptica evolucionista, vejamos, hoje, a opinião dos criacionistas.

Poríamos de parte, linearmente, os criacionistas radicais de índole religiosa, já que seguem um Credo, o Bíblico, segundo o qual um Deus Criador criou o Universo e, nele, a Terra e, nesta, a VIDA, com espécies animais e vegetais, tal como existem hoje. Pura mitologia!

Mas, dada a sua complexidade, há os que atribuem a criação dum primitivo ADN a uma ENTIDADE INTELIGENTE, UMA MENTE SUPREMA, tendo-o criado num só momento do Tempo, embora tenha evoluído, depois, para as diversas formas de vida (ADN ou ARN) que hoje existem na Terra, (e só na Terra!) expressas em animais, fungos e plantas.

Esta visão criacionista, embora não bíblica, não responde a várias questões incontornáveis ou fundamentais cujas respostas são determinantes para se poderem fazer escolhas:

1 – Se este Universo observável – e, por isso, objecto da Ciência – começou no Big Bang, não sabemos o que havia antes do Big Bang, fenómeno que se situa há c. de 15 mil milhões de anos e que explica o facto constatado pela Ciência de o Universo estar em expansão.

2 – Se está em expansão, também ignoramos até onde irá e o que acontecerá depois. É que, sendo o Universo matéria energizada, não se poderá expandir indefinidamente. E de certeza que, no ponto de não-retorno, já não haverá lugar para o sistema solar e, nele, a Terra e, nesta, a VIDA.

3 – Se não antes, pelos dados actuais da Ciência, a Terra irá acabar dentro de 4 a 5 mil milhões de anos, com a morte do Sol, acabando-se a Vida nela existente. Seria uma visão muito redutora admitir que essa MENTE SUPREMA só tivesse querido vida neste Planeta e a prazo. Depois, dizer “quis” é atribuir-lhe um querer, uma vontade, ou seja, é humanizá-la, descredibilizando-a como ENTIDADE DIVINA!

4 – Pela lei das probabilidades, dada a dimensão nem sequer imaginável pelo nosso intelecto, do Universo, com milhares de milhões de galáxias, cada uma com milhares de milhões de estrelas, estrelas que conterão o seu sistema solar, haverá muitos planetas dessas estrelas onde se materializem as condições que originaram a VIDA na Terra. A Terra – pesem embora as suas condições óptimas para o surgimento da Vida, de localização, movimento e temperatura, em todo este colossal Universo, não pode ser única! Tal exclusividade seria premissa impossível – e sem sentido matemático! – de acreditar.

5 – O ADN criado náo é estático mas evolutivo. As espécies evoluem dentro da própria espécie, adaptando-se ao meio, ou, não desaparecendo pela acção predadora dos elementos ou de outros seres vivos infestantes, evoluem para outras espécies, reproduzindo-se sempre, obedecendo ao misterioso instinto vital de conservação. A toupeira, por exemplo, sendo um rato, ao “decidir” viver debaixo da terra, perdeu os olhos e desenvolveu o olfato, o ouvido e o tacto para procurar alimento e parceiro com que acasalar.

Mais:

Tentando “casar” o criacionismo com o evolucionismo, admitindo a tal Mente Suprema, Criadora de tudo o existente, eterna e infinita, potenciando, em toda a matéria e energia que compõem o Universo – ou os pluriversos – condições para que neles surgisse a VIDA – a dinâmica dos elementos, dadas tais condições, não poderia resultar senão em vida! Na Terra ou em qualquer parte do Universo!

No entanto, é preciso:

1 – Definir MENTE CRIADORA. (Sobre o assunto, veja-se o texto aqui publicado em 04/08: “Divertimento intelectual para férias”).

2 – Aceitar que essa Mente Suprema Criadora, Suprema Inteligência, não iria criar um ADN para acabar, assim, com o fim anunciado da Terra, sem continuidade em outros pontos do Universo, ou nos pluriversos, dado que este, estando em expansão, irá forçosamente desintegrar-se.

3 – Admitir que o ADN criado foi um ADN evolutivo e não estático ou ali acabado no acto da sua criação.

4 – Realizar como matematicamente absurda e ter por nula a afirmação criacionista de que a Vida só surgiu uma vez no Universo e… apenas na Terra.

5 – Considerar que, dada a complexidade do ADN e sabendo-se racionalmente que não pode haver um efeito sem uma causa, isso poderia levar-nos a uma MENTE CRIADORA, resolvendo-se a dificuldade de saber quem depositou no ADN a força incontrolável e imparável para se replicar e reproduzir, facto que observamos em todos os seres vivos (mesmo os “meio-vivos” como os vírus), animais, fungos e plantas, revelando possuir algo de imaterial, espiritual, se quisermos. Mas o cérebro é também pura matéria energizada. E produz “antimatéria”, como ideias, pensamentos, emoções, cálculos, deduções, etc., estando nele sediada a própria consciência que o ser humano tem de si, do seu princípio e do seu fim, mais do que em qualquer outro animal, animal que também tem cérebro, mais ou menos complexo.

 

Na visão evolucionista, a hipótese mais comumente aceite para se chegar ao ADN, é a que se baseia na evolução e interacção dos elementos químicos que constituem tanto os seres vivos como os não vivos, tanto a matéria activa e energizada como a matéria inerte.

Os elementos químicos – carbono, hidrogénio, oxigénio, nitrogénio, fósforo e enxofre – denominados colectivamente “elementos biogénicos” (geradores de vida), estão entre os mais abundantes do Universo.

Então, num tempo remoto, mas já tendo a Terra cerca de 1,5 mil milhões de anos de existência, dadas as condições ideais de humidade e de temperatura, aqueles elementos químicos (átomos), bombardeados por descargas eléctricas abundantes àquela data, reagiram – ou foram reagindo entre si – formando-se moléculas cada vez mais complexas, até chegarem a desdobrar-se, num movimento imparável, como imparável é o desencadear de novas vidas, originando-se muitos e diversos ADN dos primeiros seres vivos, começando logicamente pelos microscópicos e unicelulares, transformando-se depois, caminhando “alegremente”, em cerca de 3 mil milhões de anos, até aos gigantes dinossauros, extintos há mais de 65 milhões e, finalmente (por agora!) até ao ser inteligente que é o Homem, com um cérebro (que é pura matéria orgânica) capaz de raciocínios abstratos e de ter consciência.

É impossível a alguém, com a abertura de espírito de cientista, acreditar numa tese puramente criacionista.

Aliás, como se constata que, nos átomos e moléculas dos elementos, existem forças de vária ordem, umas fortes outras fracas, cujo poder total desconhecemos, e como tudo está em evolução e em movimento, nada se perdendo, tudo se transformando – nós, cada um de nós, também, integrados que estamos nesta fantástica engrenagem! – a probabilidade de a VIDA ter aparecido nesse primitivo complexo contexto químico parece inquestionável.

 


 

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Onde a Verdade da Bíblia? - Análise crítica - Novo Testamento (NT) - 283/?

 

 

À procura da VERDADE nos Evangelhos

Evangelho segundo S. LUCAS – 1/?

 

Nota prévia:

Lucas é um outsider em relação aos factos: médico de Paulo, certamente, por influência deste – Paulo que está na base da construção do Cristianismo – resolveu completar o que lhe parecia faltar na narrativa dos outros dois evangelhos, Marcos e Mateus com os quais, no restante, com algumas variantes que assinalaremos, é sinóptico.

Era uma lacuna incompreensível, para a religião que dava os primeiros passos: nascimento, meninice, juventude de Jesus, Filho de Deus, entidade em cuja actividade e pregação a mesma religião se baseava.

E apresenta-se cheio de boas intenções:

– “Após ter feito um estudo cuidadoso de tudo o que aconteceu desde o princípio, também eu decidi escrever uma narração bem ordenada (…) do que nos foi transmitido por aqueles que, desde o princípio, foram testemunhas oculares e ministros da Palavra.” (Lc 1,2-3)

– Mais clareza das intenções de ser fiel à narrativa dos factos parece não haver. Será então o evangelho de Lucas, que não foi testemunha ocular mas transmite o que os outros lhe disseram e que ele averiguou cuidadosamente, totalmente histórico? Serão os factos narrados verídicos ou já inventados/trabalhados pelas testemunhas supostamente oculares e pelos ministros da Palavra? Vejamos!

– Lucas é o único a narrar o nascimento miraculoso de João Baptista, filho do sacerdote Zacarias e sua mulher Isabel: “Não tinham filhos porque Isabel era estéril e os dois já eram de idade avançada. (…) Então apareceu a Zacarias um anjo do Senhor (…): «Deus ouviu o teu pedido; a tua esposa Isabel vai ter um filho e dar-lhe-ás o nome de João. (…) Desde o ventre materno, ficará cheio do Espírito Santo (…).» Zacarias perguntou ao anjo: «Como vou saber se isto é verdade? Sou velho e a minha mulher é de idade avançada.» O anjo respondeu: «Eu sou Gabriel. Estou sempre na presença de Deus e Ele mandou-me dar-te esta boa notícia. Vais ficar mudo e não poderás falar até ao dia em que estas coisas acontecerem, porque não acreditaste nas minhas palavras que se cumprirão na altura própria.»” (Lc 1,7-20)

– Não! Não começa bem Lucas! O maravilhoso acontece e não pode ser histórico! A narrativa, singela, tem o sabor das crenças-invenções-imaginações religiosas daquele tempo, deste tempo… O anjo aparece… fala… anuncia… impõe um nome… E à questão pertinente, humana, tão natural e compreensível de Zacarias que não via como tal pudesse acontecer, responde o anjo com um castigo… - injusto, claro! - “justiça” que não utilizou com Maria, seis meses mais tarde quando esta lhe perguntou: “Como vai acontecer isso, se não vivo com nenhum homem?»…

E… duplo milagre: Isabel concebe sendo estéril e de avançada idade…

Mais: um anjo… ter um nome… estar sempre na presença de Deus… mensageiro do mesmo Deus… com o poder de dar castigo ao mortal Zacarias… continua o divino em total simbiose com o humano…

Então, simplesmente começamos por rejeitar a veracidade/historicidade dos factos narrados. Tudo se enquadra perfeitamente na recolha de narrativas transmitidas certamente com fins piedosos, mas… inventadas! Lucas, como pretenso historiador, deveria tê-lo dito.

 Imperdoável!


sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Onde a Verdade da Bíblia? - Análise crítica - Novo Testamento (NT) - 282/?

 

À procura da VERDADE nos Evangelhos

Evangelho segundo S. MARCOS – 2/2

– A oferta da viúva pobre ao Templo é exemplar: “Os outros deram do que lhes sobejava; ela, porém, da sua pobreza, deu tudo o que tinha para viver.” (Mc 12,44)

– Só poderíamos perguntar a Jesus porque não disse à pobre viúva: “Não dês tudo porque, em primeiro lugar, está a tua vida e, depois, o Templo, pois como podes servir a Deus, morrendo… de fome?” No entanto, compreende-se: assim, radicalizando, a mensagem tem mais impacto.

– “«Quem acreditar e for baptizado será salvo. Quem não acreditar será condenado. Os que acreditarem serão conhecidos por estes sinais: expulsarão demónios em meu nome e falarão novas línguas; se pegarem em serpentes ou beberem algum veneno, não sofrerão nenhum mal. E quando colocarem as mãos sobre os doentes, estes ficarão curados.» Depois de ter falado aos discípulos, o Senhor Jesus foi levado ao Céu e sentou-Se à direita de Deus.” (Mc 16,16-19)

– Marcos não foi um dos doze. Certamente, poucas ou nenhumas vezes, foi testemunha ocular dos factos narrados no seu evangelho. Daí, certamente, ter-se socorrido de relatos que corriam entre os cristãos. Neste final, como em vários outros episódios, há ligeiras diferenças entre Marcos e Mateus, mais significativas umas que outras. Aqui, é a condenação do que não for baptizado ou não acreditar… Teríamos de perguntar o que é realmente acreditar e o que é realmente o baptismo…E o que é ser condenado e condenado a quê. À perdição eterna? E teríamos também de perguntar porque já não há hoje quem expulse os demónios, nem beba veneno sem sofrer mal, nem imponha as mãos e cure os doentes… É que naquele tempo, como já referimos para Mateus, o poder de fazer milagres parece que emanava de Jesus Cristo, antes dele, com ele e logo depois dele. Ou… não! Simplesmente porque não houve milagre algum. Tudo invenção dos cronistas/evangelistas/narradores de ditos/boatos e não de factos.

Nas Escrituras do A.T., foram os milagres de Moisés e de todos os profetas, sobretudo Eliseu que parece ter realizado tantos ou quase tantos milagres como Jesus Cristo. No Novo Testamento, é a avalanche de milagres realizados por Jesus. Agora, segundo Marcos, também pelos discípulos e por outros (que outros?) a quem foi dado tal poder… Impossível de tudo isto ser verdadeiro, não é?

Objectivamente, não há qualquer diferença entre o milagre da água que brotou da rocha, o maná que alimentou durante quarenta anos os israelitas no deserto e a multiplicação dos pães e dos peixes ou a transformação da água em vinho…

Desde que se aceite a intervenção de Deus na matéria, nada do que seja extraordinário ou sobrenatural nos poderá perturbar ou surpreender… No entanto, estamos sempre no campo da Fé num divino de que não há qualquer prova de que exista e tenha intervindo na Terra, naquela época ou noutra qualquer.

Mas Marcos continua a afirmar: “Os discípulos foram então pregar a Boa Nova por toda a parte. E o Senhor ajudava-os e confirmava os seus ensinamentos por meio de milagres.” (Mc 16,20) Ninguém, de boa fé, poderá ter este testemunho como verdadeiro.

 – Última pergunta a Marcos: “Quem viu Jesus ser levado ao Céu? Quem o viu sentar-se à direita de Deus? E onde era o Céu no qual estava Deus no seu trono?” Como estas afirmações são nitidamente de crente que não de historiador! Então, merecem-nos apenas a credibilidade da fé… Que é muito pouco para quem não acredita numa fé sem… fundamentos!

E ainda: que milagres fizeram os discípulos? Ou: o que era “milagre” para aquela gente, tanto para os que deles dão testemunhos como para os que os supostamente realizavam? – Sem respostas, concluiríamos – como aliás, concluímos em Mateus – que, afinal, não houve milagre nenhum quer realizado por Jesus, quer realizado por qualquer apóstolo ou discípulo. Milagre, no sentido de reversão da ordem natural das coisas e da matéria. Curas extraordinárias, claro! Sempre, ao longo da História, houve notícia de curandeiros que fizeram “milagres”… E, ainda hoje, há curas que a medicina não consegue explicar. Vamos falar de milagre? – Obviamente que não! Seria um acto de precipitação intelectual.

sábado, 26 de setembro de 2020

Onde a Verdade da Bíblia? - Análise crítica - Novo Testamento (NT) - 281/?

 

À procura da VERDADE nos Evangelhos 

Evangelho segundo S. MARCOS – 1/?

 

Nota prévia:

Não vamos alongar-nos em repetições do que em Marcos é semelhante a Mateus. Por isso, seremos breves, na análise deste evangelho, frisando apenas o que nele há de novo, o que, sendo sinóptico com Mateus e dado como escrito antes dele, é muito pouco, embora extremamente significativo quanto a uma provável interpretação da palavra “milagre”. Comecemos, pois!

 

– “«Cala-te e sai desse homem.» O espírito mau sacudiu fortemente o homem, deu um grande grito e saiu dele.” (Mc 1,25-26)

– Já atrás perguntámos: afinal, era possesso do diabo ou apenas… epiléptico? E quem é que gritou: o diabo ou o homem? Se foi o diabo, com que voz? Quem ouviu tal voz? – A narrativa é omissa nesta importante questão.

–“Jesus levantou-Se e foi rezar num lugar deserto.” (Mc 1,35)

– Repetindo-nos, perguntaríamos: “Porque é que Jesus tem necessidade de rezar? Que pediria ou agradeceria Ele a Deus, seu Pai? Não era Ele Deus com o Pai? Como entender tal dependência?” Dependência incompreensível que vai culminar com o “Faça-se a tua vontade e não a minha”, com suor de sangue, no jardim de Getsémani… ou ainda, com o incompreensível grito na cruz: “Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonaste?”. Tal necessidade de rezar leva-nos a concluir que Jesus não tinha qualquer noção de si próprio como filho de Deus-Pai e muito menos, Deus com Ele, como, mais tarde, lhe foi atribuído.

– Estranha é a cura do surdo-mudo, quando Jesus ia a caminho da Galileia: “Pôs os dedos no ouvido do homem, cuspiu e com a sua saliva tocou-lhe na língua. Depois, olhou para o Céu, suspirou e disse: “Abre-te!» Imediatamente os ouvidos do homem se abriram, a língua soltou-se e ele começou a falar sem dificuldade.” (Mc 7,33-35)

– Há todo um ritual próprio de um curandeiro, evoque-se ou não o divino: saliva, um olhar o Céu, um suspirar… Que significa exactamente todo este ritual? Para impressionar a assistência? Se tinha o poder de fazer milagres, porque não disse simplesmente: “Ouve e fala!”?

– Mais estranha é a cura do cego de Betsaida: “Levou-o para fora do povoado, chegou-lhe saliva aos olhos, colocou as mãos sobre ele e perguntou-lhe: «Vês alguma coisa?» O homem abriu os olhos e disse: «Vejo sim, vejo pessoas que parecem árvores a andar!» Jesus pôs-lhe de novo as mãos nos olhos e quando o homem os voltou a abrir, já via perfeitamente tudo quanto estava à sua volta.” (Mc 8,23-25)

– É! Ninguém perceberá porque é que o homem não viu perfeitamente ao primeiro impor de mãos. E, mais uma vez: foi milagre ou foi uma acção/magia de curandeiro? – Pela descrição de Marcos, parece-nos muito mais credível a segunda que a primeira hipótese.

– E, depois de o curar, ainda lhe ordena: “Não entres na aldeia!” (Mc 8,26)

– Porquê?… Porque se queria esconder Jesus? Com medo de quem? Afinal, que ideia tinha Jesus de si próprio, ao ver-se com o poder curativo de várias enfermidades? Há aqui um largo campo de interpretação psicológica da personalidade a explorar mas que não é objecto desta nossa análise crítica.

– “«Mestre, vimos um homem que expulsa demónios em teu nome e nós proibimos-lho, porque não é dos nossos.» Jesus disse-lhes: «Não lho proibais pois ninguém faz um milagre em meu nome e depois vai dizer mal de Mim. Quem não está contra nós está a nosso favor. Eu vos garanto: quem vos der um copo de água porque sois de Cristo, não ficará sem receber a sua recompensa.»” (Mc 9,38-41)

– Ficamos, então, a saber que havia outro homem com o poder de expulsar demónios. Ou… curar a epilepsia, como já vimos anteriormente. Um outro “Cristo”, outro milagreiro ou curandeiro! Teria o mesmo poder e carisma de Jesus? – Uma resposta afirmativa levanta inúmeras questões quanto à exclusividade milagreira de Jesus.

Por outro lado, diz-se claramente que o expulsar demónios era fazer um milagre, o que nos leva a perguntar o que é realmente um milagre.

Enfim, gostaríamos de saber onde e como será aquela recompensa por dar um copo de água…

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Breve história do início do Cristianismo - Análise crítica

 

 

De como de uma história infantil nasceu uma religião

 

    Tudo começa no Génesis, o primeiro livro da Bíblia – Antigo Testamento (AT).

    A Bíblia – AT para os cristãos, Tora para os judeus – na diversidade dos seus “livros” – foi escrita por levitas judeus, essencialmente durante os oitenta anos de cativeiro, na Babilónia, no séc. VI AC, compilando muitas tradições orais quer históricas quer mitológicas e/ou de carácter religioso. A Bíblia dos cristãos inclui também o Novo Testamento (evangelhos e epístolas) que foi escrito por discípulos de Jesus a partir dos anos 60 DC.

    E a história conta-se em poucas palavras, como, aliás, é alegremente contada às crianças da catequese:

«Depois de ter criado o Céu e a Terra e tudo o que neles existe, Deus criou o homem para tomar conta, na Terra, do que ali havia criado.

Sentindo-se só, o homem pediu uma companhia a Deus e Deus deu-lhe uma linda mulher. Foram chamados de Adão e Eva e colocados no Paraíso de todas as delícias. Mas… havia, nesse Paraíso, uma macieira – a árvore do Bem e do Mal – cujas maçãs não poderiam comer. Era a única proibição! Ora, como era fruto proibido, Eva não resistiu a comer uma maçã e dar de comer dela ao “pobre” do Adão. O seu pecado – transgressão da regra divina! – foi punido com atroz severidade: expulsos do Paraíso e condenados, ele a ter de comer o pão com o suor do seu rosto, ela a ter de gerar na angústia e na dor.

Este pecado – o pecado original – ficou afectando todos os descendentes destes primeiros humanos Adão e Eva que, entretanto, se multiplicaram, não permitindo ao Homem a sua salvação eterna.

Então, Deus, uns milhares de anos mais tarde, e durante mais de mil anos, inspirou umas Escrituras nas quais se profetizava a vinda de um Messias Salvador e Redentor da Humanidade atingida por esse horrendo e terrível pecado original.

O “milagre” aconteceu, há dois mil anos, no seio do povo judeu – o povo eleito por Javé-Deus para escrever as Escrituras e nele nascer o Messias – materializado num homem chamado Jesus, filho de uma Virgem chamada Maria.

Em Jesus se cumpriram as Escrituras: pregou a Palavra de Deus durante três anos e, depois, cumprindo as mesmas Escrituras, foi condenado à morte e morte de cruz, redimindo assim, com o seu atroz sofrimento, toda a Humanidade do seu pecado original e de todos os outros pecados, salvando os Homens de se condenarem eternamente… É o Jesus Redentor e Salvador!

Mas… o mais importante é que, ao fim de três dias de ter morrido, Jesus ressuscitou dos mortos e subiu ao Céu para junto de Deus, seu Pai, sendo a sua ressurreição penhor e certeza da nossa própria ressurreição para a vida eterna, junto de Deus, se nos portarmos bem nesta vida e não cometermos pecados ou, cometendo-os, os confessarmos e deles nos arrependermos.

É que, além dos anjos bons – os que perenemente louvam a Deus no Céu – há os anjos maus, os demónios, os diabos que desobedeceram a Deus, pois queriam ser iguais a Ele, sendo condenados ao Inferno e a passarem a vida a atormentar os Homens e a levá-los ao pecado, para os condenarem para sempre ao mesmo fogo do Inferno que é para onde vão, por toda a eternidade, os que se portarem mal nesta vida terrena, uma vida que pouco importa porque é apenas uma passagem para a verdadeira vida: A VIDA ETERNA!»

A história é candidamente infantil, cheia de afirmações sem qualquer prova da sua veracidade e, portanto, sem qualquer crédito. Um delírio completo que a Ciência veio pôr a nu, com a descoberta da idade e origem do Universo e, nele, a Terra, planeta de uma estrela entre milhares de milhões de outras, Terra onde, por evolução de um ramo dos primatas, apareceu o Homem.

As datas em que tudo isto se processa são tão colossais que não deixam qualquer hipótese de credibilidade à história bíblica de um Deus-Criador: c. de 13,5 mil milhões de anos para o Universo observável; c. de 5 mil milhões de anos para o sistema solar e a Terra; c. de 3,5 mil milhões para o aparecimento da Vida; c. de 4 milhões para o hominídeo; c. de 50-100 mil para o sapiens sapiens do qual somos nós os brilhantes descendentes.

O que é certo é que o Cristianismo continua sendo a religião com mais seguidores, no mundo, não querendo os fiéis saber se os seus fundamentos são ou não credíveis. Nem discutem a Fé! Acreditam e pronto: são felizes!!!

Os vários ramos em que o Cristianismo se dividiu, os cimas, as lutas dentro das respectivas igrejas pelo poder e supremacia, os desmandos, escândalos e crimes cometidos, ao longo destes 2 mil anos de existência, as mentiras propaladas como verdades eternas pelos seus mentores… atestam o carácter puramente humano da sua criação, escondendo-se os seus mentores atrás da capa de um divino misterioso primitivo, obviamente falso, divino que comanda os destinos dos Homens.

As outras religiões fizeram ou fazem o mesmo ou semelhantemente…

 


segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Onde a Verdade da Bíblia? - Análise crítica - Novo Testamento (NT) - 280/?

 

À procura da VERDADE nos Evangelhos 

Evangelho segundo S. MATEUS – 76/76

 Como que despedindo-nos de Mateus!

 – Discípulo de Jesus ou talvez não! (Não é relevante a controvérsia). Testemunha ocular – ou talvez não! - de quase tudo o que narra no seu Evangelho que escreveu pelo ano 70 DC. Conhecedor das Escrituras que cita ou põe na boca de Jesus para justificar “factos” e actuações do mesmo Jesus. Parece que deveria merecer-nos credibilidade histórica.

O Cristo que nos apresenta é cheio de autoridade, de poder e de coragem… Contudo, não deixa de ser um Cristo enigmático, que nos fez fazer tantas perguntas para as quais não obtivemos respostas, apesar das suas palavras de vida eterna, como dirá Pedro noutra narrativa: “Só tu és o Cristo, o Filho de Deus Vivo! Só Tu tens palavras de vida eterna.” (Jo 6,68)

Mas perguntaríamos ainda a esse Jesus de Mateus: “Para que nos servem as tuas palavras de vida eterna se não as entendemos? Para quê, se não sabemos pô-las em prática? Se não podemos ter certezas absolutas de que - perdoem-nos todos os anjos e santos e sobretudo os Homens, a enfadonha repetição! - a vida eterna existe, o Céu existe, o inferno também existe, Deus (o teu Deus-pai…) existe, pois tudo fica na Fé em palavras, palavras ditas por um suposto Filho de Deus supostamente feito homem?”

Tantas perguntas que fizemos, ao longo destes 75 textos de análise crítica, tantas perguntas que vamos fazendo, Santo Deus! E todas perguntas sem resposta! Realmente, assim, nesta incerteza que nos corrói a alma, sem a certeza do Céu para podermos prepará-lo nesta efémera vida terrena, de nada nos importa aquela bela mensagem de paz e de amor ao próximo do mesmo Cristo-

E, também repetindo-nos, talvez a pergunta mais paradigmática, a mais importante de todas seja: “Como é que Deus nos criou com uma inteligência para raciocinarmos e agora faz depender da Fé a vida que deve ser a essencial - a eterna - pois que esta bem sabemos da sua efemeridade? Não é injustiça inaceitável em Deus? Não é um inadmissível nonsense de Deus?”

Nota final:

Gostámos de ler Mateus. Mas o nosso juízo crítico não lhe pode ser favorável nem considerá-lo verdadeiro no que afirma ou considerar como verdades históricas o que narra sobre Jesus. A sua falta de veracidade histórica ficou bem patente na análise que fizemos aos milagres ou aos estranhos acontecimentos que rodearam a morte e ressurreição de Jesus, o que nos levou a considerar o espírito inventivo/criativo de Mateus – inspirado, se quiserem e, se quiserem, pela enigmática figura do Espírito Santo.

Descredibilizando-se totalmente como historiador com tal criação/invenção/inspiração, Mateus induz formalmente a destruição das bases do cristianismo, desmitificando-se a divindade da figura do Cristo, tornando-O apenas no que parece ter sido: um judeu culto e revoltado com o que via à sua volta, sobretudo nas classes religiosas dirigentes exploradoras do povo, tendo pregado a igualdade de todos os Homens, pois todos filhos do mesmo Deus-Pai, e pregando o amor ao próximo, na construção da fraternidade universal. É por isso, que a sua mensagem continua tão actual e tão necessária de ser ouvida pelos Homens!

Mas… será que Marcos nos vai trazer novidades em relação a esta evidente falta de historicidade de Mateus? Vamos ver!

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Onde a Verdade da Bíblia? - Análise crítica - Novo Testamento (NT) - 279/?

 

À procura da VERDADE nos Evangelhos

Evangelho segundo S. MATEUS – 75/?

 

Quanto ao pós-ressurreição de Jesus, coloca-se também o problema da historicidade dos testemunhos oculares de Mateus e João. Viram ou não viram Jesus ingerir alimentos? Viram ou não viram Tomé meter o dedo no buraco das mãos e a mão no peito de Jesus? Aliás, tal como Maria Madalena que havia abraçado os pés de Jesus, que sentiria Tomé naquele tocar? Verdadeira carne? Estavam os buracos dos pregos e a chaga do lado cicatrizados? Estava o seu rosto lavado do sangue da coroa de espinhos e do suor de sangue no Getsémani? Estava aquele corpo sem mancha das vergastadas sofridas na flagelação? Ou tudo isso pertencia ao passado e Jesus ali estava - mais um milagre! - só com as chagas “necessárias” para que Tomé acreditasse?

As interrogações que bailam na nossa mente são realmente muitas, o que não admira quando o divino se mistura com o humano. Aqui, no corpo ressuscitado de Cristo, como em todos os outros milagres…

E o problema mantém-se: acreditamos em Cristo ressuscitado cuja ressurreição é penhor da nossa própria ressurreição ou não acreditamos e ficamos nós sem ressurreição nenhuma?

Ou ainda: a ressuscitarmos, com que corpo realmente ressuscitaremos? Corpo glorioso que atravessa muros ou corpo de carne e osso que não sabemos para que queremos tal corpo se não tem fome nem sede, nem sentidos para sentir, nem coração para bater, sendo talvez apenas cérebro com um sentir apenas espiritual do perene gozo celeste ou da tristeza eterna, caso o inferno seja a nossa última morada…?

É que aquele “Credo in ressurrectione mortuorum” do Credo católico é tão… tão… tão sem sabermos como, que fica mesmo na fé sem qualquer entendimento, nem quando nem onde e, sobretudo, nem como!…

– “Os onze discípulos partiram para a Galileia. (…) Quando viram Jesus, ajoelharam-se diante dele. Mesmo assim, alguns duvidaram. Então Jesus aproximou-Se e disse: «Todo o poder Me foi dado sobre o Céu e sobre a Terra. Portanto, ide e fazei com que todos os povos se tornem meus discípulos, baptizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o que Eu vos ordenei. Eis que Eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo.»” (Mt 28,16-20)

– Que poder é este que foi dado a Jesus Cristo? Não o tinha já enquanto homem e com o qual realizou tantos milagres e mandou secar a figueira que não dava fruto, tudo lhe obedecendo ao primeiro gesto, às primeiras palavras, ao primeiro pensamento?

E que baptismo? O da água ou da palavra de amor ao próximo com que se alcança o Céu ou… o tão propalado mas tão enigmático Reino de Deus?

O baptismo… O que é realmente o baptismo e para que serve se já se aboliu o inventado pecado original dos inventados Adão e Eva?

Enfim, que Pai? Que Filho? Que Espírito Santo? Que Trindade para nos confundir com mais um mistério acerca da natureza de Deus? Como quiséramos acreditar e ter certezas de que o Céu existe realmente! Como quiséramos!!!

– E a Páscoa?! Ai que recordações - perdoem-nos o entusiasmo repetido! - da missa dos aleluias! Do “Ressurrexit sicut dixit!” Da visita do pároco pela aldeia, dando as Boas-Festas e recebendo o óbolo anual, com as amêndoas deitadas à garotada, à rabatina, pelas janelas das casas solarengas! Como esses tempos ficam esquecidos para sempre nas memórias do tempo que nada esquece, mas que só aproveitam à memória de quem teve o privilégio de os viver!

Esta a Páscoa real! A Páscoa do folar ou do “bolo da Páscoa”, das amêndoas, da profusão de flores que enchiam/enchem igrejas, ruas e procissões, o destapar os altares daquelas lúgubres cores roxas, relembrando a morte de Cristo, as matracas ecoando pelas ruas, nas igrejas, transformadas agora em campainhas que entoam aleluias!…

Doces recordações de infância que, se não fosse o Jesus ter ressuscitado, de certeza que não teríamos na memória… Por isso… pelo menos por isso - mas oxalá que não só por isso! - valeu teres ressuscitado, grande Jesus!…