quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

O sentido da Vida humana

 


A VERDADE da nossa finitude

 

Dizem os espiritualistas que o Homem, por ter um cérebro capaz de emoções, sentimentos, linguagem articulada, cálculos, raciocínios abstractos, razão, inteligência, vontade, consciência de si e da sua finitude…, não pode acabar-se com a morte, como acontece com qualquer outro animal, chegado ao termo do seu Tempo. Seria uma excepção na Natureza e no Universo onde haja vida não inteligente. E seria uma espécie de semi-recta: começar num dado momento do Tempo e prolongar-se pela eternidade.

Ora, analisando tal pensamento, concluímos da sua “infantilidade”, numa visão de espírito científico, por serem nele dedutíveis vários “esquecimentos” fundamentais:

1 – Constata-se que tudo o que nasce tem um fim, dos vírus ou bactérias às estrelas. Sejam segundos ou milénios ou milhares de milhares de milénios que durem. A regra é universal e inexorável: “Ai começou? Então, acabou!” Seja ser vivo ou não vivo. Só não acaba o ou quem não começou. Esse será eterno e infinito! Talvez o conceito de infinito se aplique ao ESPAÇO onde, por razões que de certeza nunca serão conhecidas, apareceu, há cerca de 15 mil milhões de anos, este Universo e, nele, uma estrela e, nessa estrela, um planeta que dá pelo nome de Terra, Terra da qual brotaram e continuam a brotar todos os seres com vida, desde há cerca de 3.5 mil milhões de anos, cada um gozando o seu pedacinho de Tempo, conforme o seu ADN determina…, ignorando-se completamente que outros universos existirão nesse mesmo ESPAÇO:

2 – O cérebro é pura matéria energizada, i.é., conjunto de milhares de milhões de células nervosas que, interconectando-se, produzem não-matéria, ou seja, ideias, pensamentos, raciocínios, etc. Nasce aquando da formação do organismo ou corpo que o sustenta e morre com esse organismo. Ora, morrendo, desfaz-se nos átomos e moléculas de que é feito, tal como o todo orgânico onde se insere.

3 – Não há nenhum testemunho de algum ser inteligente, i. é, algum humano que, depois de ter morrido, tenha vindo comunicar com os outros humanos que cá ficaram ou que foram aparecendo, tal como ele apareceu. Pelo contrário, seguiram a norma universal.

4 – A ideia de o Homem sobreviver para além da morte, por toda a eternidade, é

uma pura invenção dos criadores das religiões, indo de encontro ao desejo de o

Homem, por um lado, não querer acabar-se com a morte, por outro, sentir em si

esse desejo inconcebível mas real. Daí as religiões terem tantos crentes. E dizem

terem Fé e que a Fé é que nos salva. Ora, não é pelo facto de alguém ter um

desejo que esse desejo se realiza, ou um sonho que esse sonho se materializa ou

uma Fé que aquilo em que acredita se torna realidade ou é a verdade!

A VERDADE NUA E CRUA É: o Homem pertence ao Tempo. Tudo o que puder fruir tem que fruí-lo no “seu” tempo! Seja no plano material do prazer físico, seja no espiritual do prazer intelectual, emocional, sentimental, o prazer/desprazer de ter consciência.

Esta a sua VERDADE, a sua REALIDADE!

Só nos resta, pois, aproveitar esta vida que é única e irrepetível para cada um de nós! O “Carpe diem” dos latinos. E, se formos inteligentes, será com um SORRISO, que o faremos, “enfrentando” a morte inexorável, com esse mesmo sorriso!

Assim, a CERTEZA ABSOLUTA é que a VIDA NÃO TEM QUALQUER SENTIDO ÚLTIMO PARA ALÉM DO AQUI E AGORA, NO TEMPO QUE É DADO VIVER AO SER QUE DELA ESTÁ FRUINDO.

O ser vivente, animal ou planta, não tem outra saída senão o eterno desaparecimento enquanto ser, enquanto indivíduo, seja de que espécie for.

Haja ou não o desejo de ser eterno! Sonhe-se ou não com um Céu e anjos e um Deus no seu trono…, como afirmam – sem qualquer prova e um total despudor irracional! – todas as religiões do mundo!

A espiritualidade serve ao Homem para não se embrutecer com o puro materialismo de que a nossa sociedade está impregnada, pensando-se apenas em consumir, em dar prazer ao corpo, corpo que sustenta o mesmo espírito/cérebro a que os clássicos chamavam alma.

É na espiritualidade que o Homem se enriquece enquanto humano, dando largas à sua imaginação criadora, às suas emoções e sentimentos, ao prazer intelectual de contemplar o BELO.

O ser vivente só desaparece como indivíduo, pois os átomos e moléculas de que é feito e que foi alimentando/renovando ao longo da vida integrar-se-ão na matéria, indo fazer parte de um outro qualquer corpo de ser vivo ou não vivo, na eterna e permanente rotatividade de tudo o existente. Aliás, como ele próprio foi integrando átomos e moléculas que pertenceram a outros mas que já se desintegraram como indivíduos e passaram a estar disponíveis como “consumíveis”! Que bela engrenagem: nada se perdendo, tudo se transformando! Dos vírus às estrelas, às galáxias, ao próprio universo observável, universo que temos o privilégio de percepcionar e tentar conhecer, nos seus fantásticos mistérios quanto ao seu início, à composição, evolução, dimensão e… fim, pois se começou também ele não poderá escapar ao veredicto universal de todo o “ser” que começa!

sábado, 26 de dezembro de 2020

Onde a Verdade da Bíblia? - Análise crítica - Novo Testamento (NT) - 292/?

 

À procura da VERDADE nos Evangelhos

Evangelho segundo S. LUCAS – 10/?

 – Em casa de Marta e de Maria, passa-se uma cena, interessante sem dúvida, mas de compreensão não muito clara. Maria sentou-se aos pés de Jesus para O ouvir e Marta andava muito atarefada, certamente a arranjar com que servir os convidados, pois as coisas, para ela, como para nós, não nos caem do céu para cima da mesa, se nós as lá não pusermos… E diz a Jesus: “Senhor, não Te importa que a minha irmã me deixe sozinha com todo o serviço? Diz-lhe que me venha ajudar!” Haverá pedido mais justo? Não gostaria Marta de estar aos pés de Jesus, ouvindo-O, esperando que “as coisas lhe caíssem do Céu”? “O Senhor porém respondeu: «Marta, Marta! Preocupas-te e andas agitada com muitas coisas; porém uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que lhe não será tirada.»” (Lc 10,40-42)

– Maria não só deve ter ficado com a alma a transbordar de alegria, por ter ali um defensor - o próprio Jesus! - mas também com o corpo bem reconfortadinho, sem sentir a obrigação de se levantar, pressurosa, a ajudar a irmã… Irmã, duplamente penalizada: preocupa-se em bem servir e ainda é admoestada, vendo sua irmã, preguiçando, sendo elogiada…

A suposta lição até se entende… Faz lembrar os lírios do campo que não tecem nem fiam… ou as aves do céu que não semeiam nem colhem e Deus lhes dá o alimento de que precisam…, ou ainda o “não vos preocupeis com o que haveis de comer ou de vestir pois o vosso Pai do Céu sabe bem do que precisais”… Mas são lírios, aves e despreocupações que realmente não nos alimentam o corpo que de tanto alimento necessita… O alimento da alma, esse, esse fica na penumbra do mistério! E… nas bonitas palavras de Jesus Cristo. Mas o que é certo é que Marta não deve ter ficado nada contente e não sabemos se terá perdoado a Cristo aquela lição, “linda” mas não tendo em conta a realidade da vida. Aliás, seria atitude realmente revolucionária se, por acaso, ele respondesse: “Vem também para aqui sentar-te e conversar um bocadinho. Depois, eu e Maria iremos ajudar-te a preparar os alimentos e a pôr a mesa.”

– Extrapolando, também nos faz lembrar Job e o Eclesiástico e a história ou parábola do homem rico que teve uma grande colheita, encheu os celeiros e disse para consigo: “«És feliz! Tens em depósito tantos bens, que te vão dar para muitos anos. Descansa: come, bebe e diverte-te!» Mas Deus disse-lhe: «Louco, esta noite vais morrer e tudo o que tens guardado para quem será?» Assim acontece com aquele que junta tesouros só para si mas não é rico aos olhos de Deus.” (Lc 12,19-21)

– Já sabemos que, segundo Jesus Cristo, as riquezas da Terra não levam ao Céu… Só não sabemos é como a pobreza - que é a riqueza aos olhos de Deus - lá nos levará! Alguém saberá dizer-no-lo, sem nos pedir que tenhamos …Fé?

É que, santo Deus, o Céu não existe e os olhos de Deus não sabemos que mais apreciarão no humano: se a sua Fé no que alguém lhe incutiu como verdade, embora sendo fruto da fantasia, se a sua teimosia em não aceitar nada que não seja comprovável aos olhos da razão, razão que o distingue dos outros animais.

Cremos que o Deus – Suprema Inteligência – apreciará mais o segundo que o primeiro…

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Onde a Verdade da Bíblia? - Análise crítica - Novo Testamento (NT) - 291/?

 

À procura da VERDADE nos Evangelhos

Evangelho segundo S. LUCAS – 9/?

– É também Lucas o único a narrar a linda e edificante história do bom samaritano. Escreve bem este Lucas! “Um certo doutor da Lei, querendo experimentar Jesus, perguntou-lhe: «Mestre, que devo eu fazer para ter como recompensa a vida eterna?» Jesus respondeu: «O que é que está escrito na Lei e como a entendes tu?» Disse o doutor: «Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento; e amarás o teu próximo como a ti mesmo.» Jesus disse-lhe: «Respondeste bem. Faz isso e terás a vida eterna.» Mas o doutor da Lei, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: «E quem é o meu próximo?»” (Lc 10,25-29)

– Jesus respondeu com a parábola do homem atacado por ladrões e que, maltratado e caído na berma da estrada, é desprezado pelo sacerdote que o vê mas passa ao lado, desprezado pelo levi que também o vê mas também passa adiante e é socorrido pelo samaritano que teve compaixão dele e o tratou. Então, perguntou ao doutor: “«Qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos salteadores?» E ele respondeu: «Aquele que usou de misericórdia para com ele.» E Jesus concluiu: «Vai e faz o mesmo.»” (Lc 10,36-37)

– A história é exemplar! Tremendamente humana! Embora nos deixe as eternas dúvidas acerca do divino… No A.T., apesar de prevalecer o amor a Javé, e o “Olho por olho”, apela-se algumas vezes para o amor ao próximo (Lv 19,18; Pr 24,18; Eclo 10,6; Mq 6,6-8). No entanto, a mensagem que Jesus quer fazer passar é clara. A evocação da Lei é certamente para reforçar tal mensagem.

E já noutros lugares, perguntámos o que é realmente amar a Deus com todo o entendimento, com todas as forças, com toda a alma, com todo o coração. Alguém saberá dizer-no-lo?

Finalmente - ou mais uma vez! - a resposta à nossa angustiante pergunta, a que também o doutor da Lei - e acreditemos que de boa fé… - não sabia responder ou não compreenderia a resposta: “Como alcançar a vida eterna?” - “Amar o próximo” é a resposta entendível, compreensível por nós humanos, já que não sabemos o que é realmente “amar a Deus”. Mas… - também mais uma vez! - não passamos além do humano. E a ponte que quiséramos estabelecer entre a Terra e o Céu, entre o humano e o divino, entre o Homem e Deus, entre termos apenas esta vida ou também a eterna, esvai-se em nevoeiro, deixando-nos Cristo de mãos e mentes vazias sem saber afinal a que realidade nos agarrarmos.

É! Acaso o “amar o próximo” nos arranca da Terra, da nossa condição humana e nos transporta para o Céu, no Além da morte? E não é isso que nós queríamos saber? E não é isso que ficamos sem saber? E não terá sido isso que realmente o doutor da Lei quereria saber?

E certamente não acreditou em Cristo porque, compreendendo embora qual o próximo daquele homem maltratado, não conseguiu ver como tal acto o levaria ao Céu e à imortalidade e… à vida eterna! Tal como nós!…

Enfim, apenas notemos a “farpa” lançada por Jesus contra o sacerdote e o levi que, sendo homens do Templo e do serviço de Deus, nada fizeram por alguém que de tanto auxílio necessitava… Seria o Jesus-homem ou o Jesus-Deus que tal “farpa” congeminou?…

sábado, 12 de dezembro de 2020

Bendito sejas, meu adorado Natal!

 

 Natal, festa da partilha

 Interessante: as religiões estão cheias de festas, festas que encantam, seduzem, alegram a gente, mas todas baseadas em não-factos, em lendas, em superstições, invenções ou fantasias que, à força de se repetirem como realmente históricas, passaram de algum modo a ter tal estatuto de veracidade, perante os crentes.

Antes de abordarmos a problemática inventiva do Natal, lembremos, por exemplo, Santiago de Compostela. Historicamente, a fazer fé nos evangelhos, sabe-se que Tiago foi um dos discípulos de Jesus e que terá sido assassinado em Jerusalém e aí, obviamente, sepultado. No entanto, a lenda fá-lo apóstolo da Ibéria e, embora tenha morrido em Jerusalém, os seus discípulos trouxeram o corpo para o extremo norte da Península, a Galiza, sepultando-o no lugar de Compostela. O túmulo terá sido encontrado milagrosamente, no séc. IX e, desde então, as peregrinações a esse lugar foram aumentando, não só de Espanha, mas também de França, Inglaterra, Portugal, entre outros, tendo-se, no entanto, construído uma magnífica igreja no local do suposto achado, bem como aposentos para acomodar os cansados peregrinos.

Nesta situação lendária e sem qualquer suporte histórico válido, estão todos os santuários do mundo, muitos deles de fama regional, outros de renome internacional, como Fátima em Portugal ou Guadalupe no México. E há sempre devotos e fiéis em romaria, ora pagando promessas feitas em tempos de aflição, ora fazendo turismo, o já chamado turismo relogioso, dando largo contributo financeiro e muito prestígio à Igreja que não descura tal fonte de receitas…

E o Natal? Que belas recordações tenho eu da época natalícia da minha meninice, em que me deliciava com os bombons que o Menino Jesus me deixava no sapatinho, naquela noite venturosa! Que gostinho, santo Deus! Não tivesse havido Natal e eu de nada daquilo teria saudades…

Mas o Natal, do ponto de vista histórico, enferma essencialmente de duas grandes não-verdades:

1 – Jesus não nasceu a 25 de De Dezembro: desde a antiguidade que se celebrava o solestício do Inverno, por ser o momento de viragem do ano, em que os dias começavam a crescer, havendo pois mais luz e mais esperança em boas colheitas e novos frutos. E as festas eram dedicadas a Mitra, o Deus-Sol, festas acompanhadas de banquetes e reunião de famílias bem como troca de presentes. A igreja nascente só pelo séc. IV é que começou a dedicar importância ao nascimento de Jesus e – brilhante ideia! – não haveria data melhor do que a deste solestício pois, comemorando-se aí o Natal de Jesus, substituíam-se as festas pagãs em honra de Mitra, fazendo-se de Jesus o “Sol”, a Luz do mundo…

2 – No evangelho de Lucas são evidentes as influências de descrições do nascimento de deuses antigos, nos quais também havia coros celestiais, estrelas anunciadoras do evento, visitas cordiais umas, outras com maléficas intenções de perseguição ao deus que ninguém sabia se vinha para fazer o Bem ou para infernizar a vida dos Homens. Portanto, é muito provável que Jesus, além de não ter nascido em Dezembro, não nasceu num estábulo, nem houve anjos a anunciar o seu nascimento aos pastores (esta, impossível de todo porque os anjos simplesmente não existem!), nem reis magos que seguissem uma estrela que os conduziria ao “presépio” e outros pormenores deliciosos em escrita imaginativa mas que nada têm de histórico.

No entanto, são os pormenores descritos por Lucas que deram origem às mais belas tradições musicais e pictóricas que a humanidade conhece. Mais do que qualquer outro deus, rei ou rainha, imperador ou imperatriz. E levaram à criação do formoso e tradicional presépio, encanto de crianças e adultos, cuja primeira autoria se atribui a Francisco de Assis, séc. XIII.

Assim, temos uma mãe que dá à luz em situação quase humilhante, depois, o ambiente pastoril e idílico que rodeia o acontecimento: animais do estábulo, criando um ar acolhedor atenuando o rigor do frio, pastores que estariam no campo ao relento (coisa impossível em Dezembro!) vindo alegremente cantando alleluias, depois, os reis magos trazendo presentes…, enfim, um menino-Deus que nasceu assim tão pobrezinho, vá-se lá saber porquê, deitado em palhinhas... Lá que é emocionante, é! Cativante também! Inspirador, sem dúvida!

A invenção moderna do pai natal e do pinheiro só vieram emoldurar o folclore essencialmente religoso que existia.

Mas viva o Natal mesmo que não tenha existido Natal nenhum, pelo menos como no-lo contam e como o festejamos! Pois o que importa é a festa e o espírito de partilha e de solidariedade que o inspiram, que nos inspiram!

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Onde a Verdade da Bíblia? - Análise crítica - Novo Testamento (NT) - 290/?

 

À procura da VERDADE nos Evangelhos

Evangelho segundo S. LUCAS – 8/?

 – “Jesus ia de terra em terra, anunciando a Boa Nova do Reino de Deus. Os doze apóstolos andavam com Ele, bem como algumas mulheres que Ele tinha curado de espíritos maus e de doenças (…) e que, com os seus bens, ajudavam Jesus e os discípulos.” (Lc 8,1-3)

– Constata-se mais uma vez que o impacto dos milagres de Jesus, como a espectacular ressurreição do morto, narrada há pouco, e estas curas de doenças e de expulsão de espíritos malignos, não parece ter sido muito grande junto das multidões que os presenciaram. Porque não houve um povo inteiro mensageiro da Boa Nova? E, aqui, apenas os doze e algumas mulheres que decidiram ajudar a causa – certamente dando dinheiro, comida, vestuário e abrigo… – com os seus bens?

– Embora semelhante ao envio dos doze, narrado por Mateus (10,5-15), Marcos (6,7-13) e o próprio Lucas (9,1-6), Lucas é o único a referir o envio de setenta e dois discípulos: “Escolheu setenta e dois discípulos e enviou-os à sua frente a todos os lugares e cidades aonde Ele próprio devia ir: (…) «Ide! Envio-vos como cordeiros para o meio de lobos. Não leveis bolsa nem sacola, nem sandálias e não pareis no caminho para cumprimentar ninguém. Em qualquer casa onde entrardes, dizei primeiro: ‘A paz esteja nesta casa.’ Se ali morar alguém de paz, a vossa paz irá repousar sobre ele; se não, ela voltará para vós. Permanecei nessa casa, comei e bebei do que tiverem, porque o trabalhador merece o seu salário. Não andeis de casa em casa. Quando entrardes numa cidade e fordes bem recebidos, curai os doentes que nela houver. E dizei ao povo: ‘O Reino de Deus está próximo de vós!’ Mas quando entrardes numa cidade e não fordes bem recebidos, saí pelas ruas e dizei: ‘Até a poeira desta cidade que se pegou aos nossos pés, sacudimos contra vós. Apesar disso, sabei que o Reino de Deus está próximo.’ Eu vos afirmo: no dia do julgamento, Deus será mais tolerante com Sodoma do que com aquela cidade.»” (Lc 10,1-12)

– Setenta e dois! Muitos discípulos! Não entendemos porque é que iam para o meio de lobos. Eram assim tão perigosas as gentes daqueles tempos, fundamentalistas que matariam quem não fosse da sua cor religiosa? – Certamente! E talvez daí, o não cumprimentarem ninguém no caminho…

Que o trabalhador mereça o seu salário não há dúvida. No entanto, haveria muitos que não reconheceriam como trabalho a pregação da chamada Boa Nova e do Reino de Deus, mensagem que, afinal, Jesus Cristo nunca explicitou bem o que fosse. Pelo contrário, julgá-los-iam – e com razão! – mais uns charlatães que não teriam qualquer merecimento e quereriam viver à custa do real trabalho do seu semelhante…

Mas… não bastaria eles curarem um ou dois doentes, expulsar um ou dois demónios, em cada cidade, para logo ali toda a gente lhes oferecer casa, comida, repouso e conforto? Tinham tão pouca força aqueles milagres para que Jesus tivesse de ameaçar aquelas cidades, comparando-as com a condenada Sodoma?

Aliás,… quantos milagres teriam eles realizado? Quantas curas? Todo aquele discurso teria sido evitado se Jesus pura e simplesmente lhes dissesse: “Fazei muitos milagres e todos vos reconhecerão como enviados de Deus!”

– A resposta vem dos próprios discípulos: “Os setenta e dois voltaram muito alegres dizendo: «Senhor, até os demónios nos obedecem por causa do teu nome.» Jesus respondeu: «Eu vi Satanás cair do céu como um relâmpago. Olhai que vos dei poder de andar sobre cobras e escorpiões e sobre toda a força do inimigo e nada vos poderá fazer mal. Contudo, não vos alegreis porque os maus espíritos vos obedecem; alegrai-vos antes porque os vossos nomes estão escritos no Céu.»” (Lc 10,17-20)

– Não se percebe porque é que Jesus refreia a alegria dos discípulos, sentindo neles o poder de fazer milagres, embora não falem em curas mas em expulsão dos demónios que abundavam por aquelas paragens, naqueles tempos… O Satanás a cair do céu é suposta realidade que só nos confunde… O que terá Jesus visto realmente? As cobras, os escorpiões e o inimigo certamente são símbolos do Mal, mal que também não se entende muito bem o que seja. E o que será ter os nomes escritos no Céu? É que, meu Deus, o Céu não existe! E o diabo também não!

Enfim, novamente se fala em “julgamento” final, em que Deus será mais tolerante com Sodoma do que com as cidades que rejeitaram a Boa Nova. Mas… novamente, ficamo-nos pelas palavras, sem saber nem onde, nem quando, nem como será tal julgamento…

Nem, afinal, o que é a… Boa Nova!