sábado, 12 de dezembro de 2020

Bendito sejas, meu adorado Natal!

 

 Natal, festa da partilha

 Interessante: as religiões estão cheias de festas, festas que encantam, seduzem, alegram a gente, mas todas baseadas em não-factos, em lendas, em superstições, invenções ou fantasias que, à força de se repetirem como realmente históricas, passaram de algum modo a ter tal estatuto de veracidade, perante os crentes.

Antes de abordarmos a problemática inventiva do Natal, lembremos, por exemplo, Santiago de Compostela. Historicamente, a fazer fé nos evangelhos, sabe-se que Tiago foi um dos discípulos de Jesus e que terá sido assassinado em Jerusalém e aí, obviamente, sepultado. No entanto, a lenda fá-lo apóstolo da Ibéria e, embora tenha morrido em Jerusalém, os seus discípulos trouxeram o corpo para o extremo norte da Península, a Galiza, sepultando-o no lugar de Compostela. O túmulo terá sido encontrado milagrosamente, no séc. IX e, desde então, as peregrinações a esse lugar foram aumentando, não só de Espanha, mas também de França, Inglaterra, Portugal, entre outros, tendo-se, no entanto, construído uma magnífica igreja no local do suposto achado, bem como aposentos para acomodar os cansados peregrinos.

Nesta situação lendária e sem qualquer suporte histórico válido, estão todos os santuários do mundo, muitos deles de fama regional, outros de renome internacional, como Fátima em Portugal ou Guadalupe no México. E há sempre devotos e fiéis em romaria, ora pagando promessas feitas em tempos de aflição, ora fazendo turismo, o já chamado turismo relogioso, dando largo contributo financeiro e muito prestígio à Igreja que não descura tal fonte de receitas…

E o Natal? Que belas recordações tenho eu da época natalícia da minha meninice, em que me deliciava com os bombons que o Menino Jesus me deixava no sapatinho, naquela noite venturosa! Que gostinho, santo Deus! Não tivesse havido Natal e eu de nada daquilo teria saudades…

Mas o Natal, do ponto de vista histórico, enferma essencialmente de duas grandes não-verdades:

1 – Jesus não nasceu a 25 de De Dezembro: desde a antiguidade que se celebrava o solestício do Inverno, por ser o momento de viragem do ano, em que os dias começavam a crescer, havendo pois mais luz e mais esperança em boas colheitas e novos frutos. E as festas eram dedicadas a Mitra, o Deus-Sol, festas acompanhadas de banquetes e reunião de famílias bem como troca de presentes. A igreja nascente só pelo séc. IV é que começou a dedicar importância ao nascimento de Jesus e – brilhante ideia! – não haveria data melhor do que a deste solestício pois, comemorando-se aí o Natal de Jesus, substituíam-se as festas pagãs em honra de Mitra, fazendo-se de Jesus o “Sol”, a Luz do mundo…

2 – No evangelho de Lucas são evidentes as influências de descrições do nascimento de deuses antigos, nos quais também havia coros celestiais, estrelas anunciadoras do evento, visitas cordiais umas, outras com maléficas intenções de perseguição ao deus que ninguém sabia se vinha para fazer o Bem ou para infernizar a vida dos Homens. Portanto, é muito provável que Jesus, além de não ter nascido em Dezembro, não nasceu num estábulo, nem houve anjos a anunciar o seu nascimento aos pastores (esta, impossível de todo porque os anjos simplesmente não existem!), nem reis magos que seguissem uma estrela que os conduziria ao “presépio” e outros pormenores deliciosos em escrita imaginativa mas que nada têm de histórico.

No entanto, são os pormenores descritos por Lucas que deram origem às mais belas tradições musicais e pictóricas que a humanidade conhece. Mais do que qualquer outro deus, rei ou rainha, imperador ou imperatriz. E levaram à criação do formoso e tradicional presépio, encanto de crianças e adultos, cuja primeira autoria se atribui a Francisco de Assis, séc. XIII.

Assim, temos uma mãe que dá à luz em situação quase humilhante, depois, o ambiente pastoril e idílico que rodeia o acontecimento: animais do estábulo, criando um ar acolhedor atenuando o rigor do frio, pastores que estariam no campo ao relento (coisa impossível em Dezembro!) vindo alegremente cantando alleluias, depois, os reis magos trazendo presentes…, enfim, um menino-Deus que nasceu assim tão pobrezinho, vá-se lá saber porquê, deitado em palhinhas... Lá que é emocionante, é! Cativante também! Inspirador, sem dúvida!

A invenção moderna do pai natal e do pinheiro só vieram emoldurar o folclore essencialmente religoso que existia.

Mas viva o Natal mesmo que não tenha existido Natal nenhum, pelo menos como no-lo contam e como o festejamos! Pois o que importa é a festa e o espírito de partilha e de solidariedade que o inspiram, que nos inspiram!

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