quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu? (50/?)

 
PARA ALÉM DO FIM
Cinco momentos de reflexão
II
Fundamento das nossas dúvidas, as dúvidas que estão na base desta "Vida de Cristo" narrada pelo próprio.

 Momentos significativos da História

    O Novo Testamento, documento em que a Igreja Católica e as igrejas cristãs se baseiam para apregoar o seu Jesus Cristo, enferma dos mesmos handicaps de muitos dos documentos antigos que chegaram até nós: conseguimos datá-los aproximadamente mas deles apenas temos cópias tardias cuja fidelidade ao original facilmente se pode pôr em causa. Quanto ao N.T., o caso é mais sério porque se trata de textos que visavam implementar uma nova religião que nascera como mais uma seita no seio do fértil berço judaico propenso, naquele tempo, a tais invenções. Diz Cullmann, no seu livro Formação do Novo Testamento: “Não temos nenhum documento original do Novo Testamento, mas cópias. Os manuscritos completos mais antigos que possuímos remontam ao séc. IV. Deixando à parte alguns fragmentos, são cerca de 300 anos que separam a redacção original do texto conservado. Tal espaço de tempo poderia fazer-nos duvidar da autenticidade estrita desses textos. De facto, de cópia em cópia, lograram introduzir-se deformações e impor erros.” Aliás, dentro do próprio cristianismo, nasceram muitas igrejas, contando-se, no tempo de Constantino (séc. IV), entre outras, a grega, a de Antioquia, a de Alexandria, a de Éfeso, a copta, a gnóstica, todas divergindo da de Roma onde o bispo, já se apelidando de papa e com o apoio do imperador, tentava impor a sua hegemonia. Genericamente, o grupo galileu foi um movimento dentro do judaísmo que visava passar a mensagem de uma relação mais espiritualizada entre o Homem e Deus, defendendo também o fim dos tempos e a vinda de um Reino de Deus, Reino de justiça, paz e a fraternidade entre todos os Homens, já que eram todos filhos de Deus.

    Pretendendo estabelecer uma datação dos escritos do N.T., teríamos por ordem de antiguidade, segundo os estudos mais recentes:

1 – Cartas de Paulo (década de 50). Só lhe interessa a figura de Cristo como divino, nada de humano sendo mencionado. 2 – Cartas de Pedro e de Tiago (década de 60). É o mesmo Cristo divino que é apregoado. 3 – Cartas de João, Judas (na mesma senda das anteriores) e o Apocalipse (que deve ser contemporâneo da destruição do Templo em 70). 4 – Carta aos Hebreus, de autor desconhecido. Já são apresentados alguns dados da figura humana de Jesus, considerando-se, por isso, uma transição para os escritos evangélicos. Certamente escrita antes de 70 pois não referencia a destruição do Templo. 5 – Evangelho de Marcos, década de 70. O seu Pequeno Apocalipse terá influências do momento: guerra judaica (66-70), destruição do Templo, incêndio de Jerusalém em 70. 6 – Evangelho de Mateus, década de 80. Copia e aumenta Marcos, com elementos inventados ou retirados da transmissão oral. 7 – Evangelho de Lucas, década de 90. Tendo também Marcos como fonte original, é sinóptico com Mateus, explanando pormenores nos domínios da infância de Jesus e da vida de Maria. 8 – Actos dos Apóstolos do mesmo Lucas, década de 90. Dedicado às actividades sobretudo de Pedro (até ao cap. XIII), depois de Paulo; este não é considerado apóstolo como Paulo se considerava a si mesmo nas cartas, cerca de 30 anos antes, mas rabino fiel à lei mosaica. 9 – Evangelho de João, pelo ano 100. Demarca-se dos três primeiros pela sua cristologia: Jesus Cristo é o Filho de Deus feito homem e veio como Logos para revelar o Pai.

    É interessante notar que os primeiros padres, como Clemente de Roma, Inácio, Policarpo, que escreveram entre 90 e 130, não se referem nem às cartas nem aos evangelhos, certamente por desconhecimento: aqueles documentos circulariam apenas dentro das comunidades para as quais eram escritos, não sendo portanto partilhados com outras.

    Muitos outros textos sobre Jesus apareceram, mas de menor qualidade tanto literária como doutrinal. São os apócrifos – séc.s II e III – que foram sempre rejeitados pelo cânone dos livros aceites pela Igreja como de inspiração divina. Entre eles, destaca-se o Evangelho de Tomé cujo texto foi descoberto em 1945, em Nag Hammadi, Egipto, e que, segundo alguns estudiosos, será anterior aos evangelhos sinópticos, tendo-se estes inspirado nele. A sua leitura sugere-nos uma colectânea de aforismos ou sentenças, máximas atribuídas ao Mestre Jesus e expressas em trocadilhos cheios de significado uns, inócuos ou incompreensíveis outros, alguns rondando o nonsense: “Toda a mulher que se fizer homem entrará no Reino dos Céus.”

    O estabelecimento do cânone dos livros ditos inspirados por Deus não foi nem fácil nem pacífico. Pelo contrário. Sobretudo no que se refere ao N.T. Do A.T., já havia o cânone judaico estabelecido no séc. I a.C. e a Igreja limitou-se a acrescentar mais sete que lhe “pareceram” merecer tal estatuto. Estão neste rol os citados Livros da Sabedoria e de Daniel. Havia também a Versão dos Setenta ou Septuaginta, do séc. III a.C., tradução para grego do A.T. atribuída a setenta sábios iluminados da comunidade judaica de Alexandria. O cânone oficial dos 27 livros do N.T. só foi estabelecido em 397, no Concílio de Cartago, tendo sido muito mais tarde, no Concílio de Trento (1545-1563), definitivamente aceite pela Igreja Católica a versão da Vulgata de S. Jerónimo (347-420), padre que traduziu para latim, do grego o N.T. e do hebraico o A.T. Antes da Vulgata, e contemporaneamente, havia inúmeras traduções, variedade de que se queixava S.to Agostinho (354-430), e que chegaram até nós em documentos dos sécs. IV, V e VI, constituindo o que se designava de Vetus Latina. A primeira luta oficial pela separação entre Evangelhos apócrifos e canónicos deu-se no Concílio de Niceia, 325, contando-se a propósito as mais bizarras histórias. O Concílio de Niceia foi o primeiro concílio ecuménico e um dos mais importantes para a Igreja Católica. Convocado pelo imperador Constantino, com o fim de unificar a Igreja cuja religião queria impor a todo o império, nele participaram mais de 300 bispos. Três magnas questões ocuparam os participantes: a consubstancialidade de Jesus Cristo com Deus, como Filho, a existência do Espírito Santo e a consequente Santíssima Trindade. Os muitos bispos que não apoiaram nem concordaram com tais “divinas” inspirações, negando pura e simplesmente a divindade de Jesus, como os arianos, foram expulsos, excomungados, perseguidos e exilados. É neste concílio que é fundada oficialmente a Igreja Católica, com a sua doutrina teológica que perdura no Credo niceno, pouco já guardando da mensagem do Jesus dos Evangelhos, podendo dizer-se com alguma ironia que Constantino foi o seu primeiro Papa. A guerra trinitária, no entanto, continuou e só se impôs definitivamente, em 381, no concílio de Constantinopla convocado pelo imperador Teodósio, tendo, mais uma vez, os contestatários sido excomungados e perseguidos.

    Que conclusão poderemos tirar deste curtíssimo mas significativo acervo histórico? – Novamente que toda a documentação em que a Igreja se baseia para impor o seu Cristo tem uma base histórica extremamente frágil, quer ao nível da existência de um duvidoso Jesus, quer ao nível do Cristo divino, ou do Jesus mitificado em Cristo, nitidamente fruto da fantasia dos actores dos primórdios do cristianismo, constituindo-se o grupo galileu como uma seita religiosa dentro do judaísmo. O movimento cristão, mais tarde com a igreja de Roma à cabeça, iria ter um sucesso retumbante graças aos ventos favoráveis do poder político em que se apoiou, pontificando Constantino, tendo-se este servido do cristianismo para unificar o Império... Outra conclusão interessantíssima é que o Jesus histórico, não passando o nível do humano, embora com carisma especial, só pretendeu dar uma pedrada no charco da hipocrisia em que viviam as classes religiosas do tempo, pregando um Reino de paz e de justiça, um Reino de fraternidade universal, sendo ricos e pobres todos igualmente Filhos de Deus... mas sem qualquer intuito de formar uma religião e – muito menos! – de se arrogar o título exclusivo de “Filho único” desse mesmo Deus.

 
 


1 comentário:

  1. Dou aqui as boas-vindas a Lúcia Tânia.
    Caríssima Lúcia, e se interessa pelo assunto, pode divulgar o blog, pois é sério, utilizando argumentos o mais fiéis possível ao real dos factos e dos documentos existentes, para provar tudo o que se afirma sobre Jesus a quem chamaram de Cristo e a todo o Cristianismo, mormente a religião católica, denunciando a falsidade dos seus fundamentos "divinos".
    Sentido abraço.
    Qualquer comentário que aqui deixe terá sempre uma simpática resposta.

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