quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu? (52/?)



 


PARA ALÉM DO FIM

Cinco momentos de reflexão

IV

Fundamento das nossas dúvidas, as dúvidas que estão na base desta "Vida de Cristo" narrada pelo próprio.

 

 A alma humana não pode ser imortal nem... eterna

Razões lógicas, ontológicas e históricas (também muito sinteticamente: são incontáveis as páginas que filósofos de todos os tempos dedicaram à alma humana, tentando encontrar-lhe o âmago e a essência sem jamais o conseguir, vindo as religiões a apropriarem-se de algumas dessas ideias e a defenderem a sua imortalidade com a consequente eternidade.)

1 – Lógicas:

    Qualquer ser provido de alma – definindo-se alma como “O sopro vital”, pertencente ao reino do invisível, do espiritual e que, por isso, não se sente, não se vê, não se apalpa, mas apenas se percebe pelos seus efeitos, quer intelectuais, quer emocionais, distinguindo-se ainda a racional da animal e da vegetal – adquiriu essa alma no acto de nascer ou de ser concebido. Logicamente, esse ser possui um “sopro vital” aparecido num dado momento do tempo. E é indubitável que o facto de começar um dia tem acoplado a si, impreterivelmente, inexoravelmente, o reverso: acabar num outro dia mais distante. Se quisermos, ao acto de nascer está indelevelmente ligado o acto de morrer. Pensar eterno um ser começado no tempo, seria admitir o impossível: uma meia eternidade, o que forçosamente se perderá nas fronteiras do mito e da fantasia...

2 – Ontológicas:

    O “sopro vital de um ser” só existe enquanto é suporte do mesmo ser que o contém. Quando este deixa de existir, o sopro desaparece com o mesmo encantamento como apareceu no acto de ser. Seria absurdo que subsistisse para além dele! Ou, dito de outro modo: um corpo vivo que morre arrasta forçosamente consigo o sopro vital que o animava: a alma. Mesmo que se considere espiritual! Mesmo que se saiba que o cérebro – todo ele matéria a ter de estar em pleno desempenho para que a alma “funcione” – produza ideias, emoções, sentimentos que nos aparecem revestidos de imaterialidade!

3 – Históricas:

    Quando falamos em “as almas dos antepassados, as almas dos nossos entes queridos, as almas do outro mundo”, etc., etc., sentimo-las como que realidades bem distintas, bem vivas e, por isso, realmente existentes, independentes dos corpos que as sustiveram, vivendo algures no etéreo, na fantasia, no pensamento individual ou colectivo, figurando-se-nos, com facilidade, aqueles corpos. Mas essas almas não passam disso mesmo: figurações, fantasias, evocações, memórias que existirão apenas enquanto perdurarem na mente de alguém. Depois, esfumar-se-ão, desaparecerão inexoravelmente no... nada, como aconteceu com as almas dos muitos biliões de seres inteligentes que já viveram a sua saga de vida na Terra, desde que o Homem é Homem, dos milhões que diariamente vão desaparecendo. Então, se nada delas resta e apenas permanece a recordação de algumas delas na memória individual ou colectiva – e apenas por um pouco de tempo – será totalmente insensato decidirmo-nos pela imortalidade e consequente eternidade da alma humana.

    (No entanto, permitindo-nos voar um pouco nas asas da filosofia, temos forçosamente de nos embrenhar na controvérsia de saber se aquilo a que chamamos alma é ou não a expressão do nosso cérebro, repositório de todas as prerrogativas atribuídas à alma, questionando, portanto, a sua imaterialidade. Afinal, o que é a alma humana? – Quer no sentido clássico, quer no religioso, a alma humana é, além do “sopro vital” comum a todos os seres vivos – a anima dos latinos –, a “entidade” que se manifesta na inteligência e capacidade de raciocinar, nas emoções, no carácter, na capacidade percepcional da informação que os sentidos lhe fornecem, na capacidade de querer e de decidir, na consciência de cada um, havendo, desde a antiguidade, a discussão em torno de saber se ela é autónoma e subsiste por si – a psyké dos gregos. Mas basta ler os estudos dos neurologistas – citemos, por exemplo, Damásio nos seus livros “O Erro de Descartes” e “O Sentimento de Si” – para nos apercebermos de que todas as componentes atribuídas à alma estão no cérebro e que, quando qualquer função do cérebro é afectada por trauma ou doenças, lá se vão as respectivas prerrogativas da alma... A dicotomia alma-corpo torna-se mais evidente na morte: corpo sem vida para um lado, a alma para outro. Ou morreu com o corpo que a sustinha, deixando de “soprar” vida, de manifestar-se em vida no corpo com o qual foi una e indivisível? Como sopro vital, ninguém duvida de que deixou de vivificar o corpo; mas sempre dependeu, mesmo na sua essência, do bom funcionamento dele: “Que me importa o mundo se a digestão me pesa?” Inteligência e emoções, o carácter, a vontade ou o livre arbítrio, as capacidades de perceber e de decidir e até a consciência de si podem soçobrar perante um abuso gastronómico! Quando alguém sofreu morte cerebral – situação diferente da do estado de coma ou da de vida puramente vegetativa – perdeu todas as capacidades que se manifestam com e pela alma: tem activas simplesmente as funções vegetativas se se mantiver ligado a um ventilador que respire por ele. Afinal há um corpo que funciona sem... alma! No entanto, estes estados de “quase” morte ainda apaixonam muitos estudiosos, curiosos por saber o que se passará nesse tremendo limiar em que todos os seres vivos um dia forçosamente se encontrarão. A clássica dicotomia corpo-alma, tanto do agrado dos muitos que, ao longo já de milénios, se dedicaram ao estudo da alma: Platão, Aristóteles, S.to Agostinho, S. Tomás de Aquino, Descartes – para citar apenas os mais importantes – sendo esta a forma daquele, torna-se difícil de explicar à luz da Ciência actual; realmente, cada um tem o corpo e a alma que a genética lhe deu; os genes determinaram um e outro no acto primordial da vida do novo ser. Ao humano juntou-se-lhe a racionalidade que teve o condão de refinar a expressão das emoções e do carácter, suplantando todos os outros animais. Parece que só na memória o elefante lhe levará vantagem, não falando, claro, no campo sensorial!... Comparando tal dicotomia com a realidade, lembra-nos o caracol que não vive sem a sua carapaça nem esta interessa sem que aquele exista e se movimente dentro dela e com ela. Sendo assim, a “forma” – a alma – só é possível visualizar-se, activar-se, ou seja, existir e subsistir, através de e com o seu suporte – o corpo.)


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