domingo, 22 de setembro de 2013

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu? (44/?)

    Mateus, ao narrar a sentença que me ditou a morte (Mt 26,63-64) volta a referir, num diálogo que eu supostamente mantive com o Sumo Sacerdote, antes de me levarem ao procurador romano Pôncio Pilatos: “«Eu te conjuro pelo Deus vivo que nos digas se tu és o Messias, o Filho de Deus»”, respondendo eu: “«É como acabaste de dizer»”. Semelhante resposta teria eu dado, à pergunta do procurador: “«Tu és o rei dos judeus»? – “«Tu o dizes».” Aqui, Mateus não deixa de ser ambíguo: se eu me queria afirmar como Filho de Deus, deveria ter sido mais explícito, não me limitando ao «É como acabaste de dizer». E que dizer daquela invenção de eu querer ser rei dos judeus? – Absurda, simplesmente!
    Mateus não iria acabar o seu evangelho sem se referir, várias vezes, à minha condição divina. A mais contundente é a exclamação do oficial e soldados que me executaram, ao verem todos aqueles supostos milagres que rodearam a minha morte (Mt 27,51-54): “A cortina do Templo rasgou-se em duas partes..., a terra tremeu e as rochas fenderam-se, os túmulos abriram-se e muitos santos falecidos ressuscitaram, saíram dos túmulos e passearam-se pela cidade, onde muita gente os viu...: «De facto, ele era mesmo Filho de Deus!» E não falemos mais da minha suposta ressurreição, “facto” narrado pelos quatro evangelistas, certamente lembrando-se de Paulo que uns vinte a quarenta anos antes tinha dito a célebre frase “Se ele não ressuscitou é vã a nossa fé” (1Cor 15), sendo, pois, a minha ressurreição a base de toda a fé cristã na tal vida eterna tão sonhada por Nicodemos. Infelizmente, suposta ressurreição... Infelizmente, suposta vida eterna...
    No entanto, o grande mentor da minha divindade e filiação divina seria o último evangelista, que teria escrito pelos anos 90 a 100, logo, cerca de 50 anos depois dos “factos” terem acontecido. Mas antes de irmos a João, vamos a Paulo que foi realmente o iniciador da minha cristificação/divinização.
    Em todas as suas cartas, pelo que ouviu falar de mim, parte do princípio, mas sem qualquer prova credível – os milagres que, uns vinte anos mais tarde do que Paulo, Mateus inventou para me divinizar não circulavam ainda pelas comunidades – de que eu fui o Cristo, o Messias, o poder de Deus, a sabedoria de Deus, sempre me chamando por “Jesus Cristo” ou “Nosso Senhor Jesus Cristo”, e assim, constrói o seu mundo religioso, mundo que viria a originar a religião cristã. Escreve bem Paulo. E inspirado! E escreve sobre usos e costumes, tentando, numa atitude louvável, moralizar as comunidades para quem escrevia, tendo sempre como base os meus ensinamentos, embora alguns deles os tenha deturpado ou adaptado ao seu modo de pensar e, claro, nunca esquecendo a ideia primeira de que eu era o Cristo, o Filho de Deus. O momento alto da sua inspiração talvez tenha sido aquele em que escreveu sobre o Amor: “Ainda que eu falasse todas as línguas...” (1Cor 13). O grande embuste de Paulo é que lhe convinha, para dar resposta às suas próprias dúvidas sobre a vida eterna – dúvidas que eram as mesmas de Nicodemos – acreditar piamente na minha ressurreição. Provas credíveis não lhe interessavam muito. Bastavam-lhe algumas: “que eu ressuscitei porque apareci a uns quantos discípulos e, de uma vez, a mais de quinhentos irmãos e também a ele...”, continuando o seu lógico raciocínio: “Ora se nós pregamos que Cristo ressuscitou dos mortos, como é que alguns de vós dizem que não há ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos mortos, então Cristo também não ressuscitou; e, se Cristo não ressuscitou, a nossa pregação é vazia como vazia é a nossa fé.” (1Cor 15,12-14) Certíssimo, o que Paulo afirma. No entanto, todos concordarão que não é pelo facto de Paulo pregar um Cristo ressuscitado que esse Cristo ressuscitou realmente...

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