sexta-feira, 22 de março de 2013

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu? (20/?)


III
A estranha revelação
    Recolhemo-nos ambos aos nossos aposentos. E, repostas as energias vitais que o alimento renova no corpo cansado, entregámo-nos ao doce e merecido sono, momentos sempre férteis para a intervenção divina nas mentes dos Homens predestinados para grandes feitos. Sobretudo naqueles tempos...
    Sonhou João reeditando o seu dia pregando à beira do rio, sentindo-se exausto mas largamente compensado pelo sucesso obtido, ao ver tanta gente a procurá-lo, a ouvi-lo, a aceitar a sua mensagem, incutindo nela o medo, imitando os antigos profetas que ameaçavam com os castigos de Javé se prevaricassem, não pagassem o imposto devido ao Templo ou adorassem ídolos feitos pelas próprias mãos. Depois, apareci-lhe eu, também à beira do Jordão, cativando-o mais do que qualquer fariseu ou saduceu pelo meu saber, o meu ardor de jovem amadurecido pela dureza de quarenta dias e quarenta noites passadas no deserto. Mas de forma estranha: primeiro, elevava-me até ao céu que estava ali pertinho, mesmo por sobre a sua cabeça, e escondia-me nas nuvens; depois, voltava, resplandecente; uma e outra vez. Do céu, pouco ou nada conseguia ver, embora arregalasse os olhos para lobrigar que fosse a fímbria do manto de Deus, os pés do seu altíssimo trono; parecia-lhe, no entanto, ouvir suaves melodias certamente de anjos que cantavam hosanas ao Altíssimo, perdendo-se o som pelo espaço infinito... Até que, de repente, no meio de grande claridade que lhe feria os olhos, tal a sarça ardente de Moisés mais de mil anos antes, ouviu, tonitruando, uma voz que lhe dizia: «João, este é o meu filho muito amado no qual Eu pus toda a minha complacência. Escuta-o!» E, sem que ele pudesse interferir, perguntar fosse o que fosse, o céu fechou-se e nele a voz tonitruante de Deus; de mim, também não houve mais notícia nem vislumbre. Então, no dia seguinte, quando vim de novo ter com ele, surpreendeu-me, efusivo e temente:
    − És tu! És tu que me deves baptizar com o Espírito e com o fogo! Tu és o Ungido de Deus, o Escolhido pelos Céus, o Filho muito amado enviado para salvar Israel e o mundo! És tu aquele a quem eu não sou digno de desapertar as correias das sandálias!
    E contou-me o sonho que tivera. As palavras ouvidas certamente vindas do Céu e da boca de Deus que me chamara “Filho muito amado”. Fiquei estupefacto. Mas... acreditei! Aliás, faltava-me alguém que me dissesse exactamente aquilo que já vinha sentindo havia tempo: eu era um eleito de Deus. Ser o seu filho muito amado, a tanto não chegaria mas que era tentador... Resolvi então chamar-me não Filho de Deus mas Filho do Homem, expressão que nas Escrituras significava um humano especial aos olhos dos Homens e certamente aos olhos de Deus. E a todo o Israel eu falaria de Deus e do Seu Reino e de como Deus era realmente Pai, o Pai que estava nos Céus e que se preocupava com os seus filhos, os Homens, começando pelos filhos de Israel. Agradeci a João, dizendo-lhe:
    − Em breve ouvirás falar de mim. Tu foste a luz que me iluminou o caminho... ou foi Javé através de ti. A minha verdadeira vida vai começar agora, ou começou agora aqui.

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