sábado, 2 de março de 2013

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu? (17/?)

II
Depois do deserto, o baptismo de João
    Despedimo-nos. Nicodemos já só ouviria falar de mim quando apareci a João, à beira do Jordão, pedindo-lhe: “Baptiza-me com o teu baptismo de água.” Entretanto, resolveu seguir o meu conselho e voltou a ler o Livro da Sabedoria, livro escrito por um judeu de Alexandria certamente para reforçar a fé dos Judeus abalada por um helenismo avassalador que espalhava por toda a parte as suas filosofias, costumes e cultos religiosos, pretendendo, ao mesmo tempo, mostrar aos gregos a superioridade da sabedoria judaica, dando soluções para o Além da vida, o que eles, gregos, não conseguiram fazer. Mas, incongruentemente, confrontado com o drama do justo que morre como o ímpio, sem ter gozado a sua recompensa, drama doloroso interpretado exemplarmente por Job e pelo apócrifo Eclesiastes, o autor foi buscar aos gregos as ideias de imortalidade e de incorruptibilidade para prometer aos justos uma nova vida depois da morte, no Reino dos Céus, junto de Deus.
    Leu, releu, comentou, sorriu. Mas, acabando a leitura de tão sábio livro, Nicodemos concluiu aquilo que já bem sabia: o justo e o injusto têm exactamente o mesmo fim: o pó e o esquecimento, embora fosse de elementar justiça humana e muito mais divina que as boas acções tivessem recompensa e as más, castigo, aquelas no Céu, estas no Inferno. E não encontrou senão afirmações sobre a imortalidade dos justos que viverão para sempre junto a Deus, ou seja, a almejada eternidade, sobre o reino celestial, o Espírito Santo, o Céu e o Inferno. Infelizmente, afirmações apenas, sem qualquer prova. Aliás, que provas poderia apresentar o autor da Sabedoria ou... os autores de todas as Escrituras? Provas, só vindas de Deus. E, definitivamente, parece que Deus não quis, nunca quis, não quer revelar-Se de modo algum aos Homens que O procuram, que O procuraram. É um Deus escondido que apenas se deixou “ver” uma vez na história da humanidade, prerrogativa concedida a Moisés, na sarça ardente, mas... de costas, como refere o Êxodo, 33,18 e 23: “Moisés pediu a Javé: Mostra-me a tua glória. (...) E Javé respondeu: Tu não poderás ver o meu rosto porque ninguém pode vê-lo e continuar com vida. (...) Não poderás ver a minha face; ver-me-ás apenas pelas costas.” E não há dúvida: os Homens, só O encontrando, é que encontrarão a vida eterna!
    No deserto, tive a agradável surpresa do encontro com os essénios, em Kumran. Receberam-me como um irmão, cantando o hino da Comunidade: “Não pagarei homem algum com o mal. Persegui-lo-ei com a bondade, pois que o julgamento de todos os vivos cabe a Deus e é Ele quem irá entregar ao homem o seu prémio”. Lindo, não? Notei que se dedicavam à escrita, copiando e comentando as antigas Escrituras, uns, outros ao cultivo de frutas e legumes, utilizando a água da chuva, recolhida em grandes cisternas. Conversando com os mestres, soube que acreditavam na redenção e na imortalidade da alma, praticavam o baptismo, o ritual da bênção do pão e do vinho, não prestando culto a imagens, auxiliavam o próximo e os marginalizados, cuidavam dos doentes, fazendo uso de muitas ervas medicinais para os curar; tudo isto, privilegiando o silêncio como forma de estar na Comunidade, havendo confissão das culpas ao fim do dia, como ritual de purificação e de aperfeiçoamento. Todo um programa de vida virada para o mundo físico e para a eternidade. Tudo o que aprendi com eles ir-me-ia ser de muita inspiração para a minha vida próxima que sentia se iniciaria em breve. Convidaram-me para ficar. Escusei-me com deferência e cordialidade, dizendo que o meu destino certamente seria outro que não aquele demasiado monástico para as minhas ambições, ambições ainda indefinidas no meu confuso pensamento.

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