sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu? (10/?)

III
A situação histórica
    Na Palestina do meu tempo, uma das famílias mais preponderantes era a dos Herodes. O primeiro deles que interessa para a minha história é Herodes o Magno que reinou, desde o ano 37 a.C. até ao ano 4 a.C., com o apoio dos romanos a quem devia o título de rei dos Judeus. Sanguinário, embora grande construtor, devendo-se-lhe a restauração do Templo, ser-lhe-á atribuída pelo evangelho de Mateus a matança dos inocentes para se livrar do novo rei ou Messias que lhe foi anunciado por uns magos vindos do Oriente. Pura invenção do evangelista, como já referi. Sucede-lhe um outro Herodes, seu filho, o Antipas, que viria a provocar um grande sururu ao apaixonar-se por Herodíade, mulher do seu irmão Herodes Filipe, de cujo enlace havia uma filha já casadoira de nome Salomé. Para poder casar-se com ele, e não partilhar o mesmo leito nupcial, Herodíade obrigou-o a repudiar a legítima esposa. Ora esta era filha do poderoso rei Aretas e, vendo-se repudiada pelo marido, foi queixar-se a seu pai que, cioso dos direitos e pergaminhos da filha, logo provocou Antipas criando, com os seus soldados, conflitos de fronteiras. Os conflitos rapidamente se avolumaram, chegando ao confronto e à invasão da Galileia, com declaração de guerra total. Antipas só não foi derrotado porque vieram em seu auxílio as tropas romanas estacionadas na Síria, levando assim a melhor sobre Aretas que foi destituído pelo imperador. Entretanto, tetrarca e administrador da Galileia e da Pereia desde 4 a.C., reinado que ainda se iria prolongar até 39 d.C., Antipas acedeu a um estranho pedido da sua amada. Tudo se passou, segundo Mateus 14,6, no baile da festa do seu aniversário: lançando Herodíade para os braços do rei a sua bela filha Salomé, diz-lhe ele, de cabeça perdida e em alta voz para que o mundo testemunhasse a generosidade: “Pede-me tudo o que quiseres, minha bela, que eu to darei!” A jovem, com o sorriso mais malandro do mundo, já industriada na arte de cativar os homens, disse a pedido da mãe: “Quero que me sirvas, num prato, a cabeça de João Baptista!” Estranhou o pedido Antipas. Achou bizarro, estrambólico, estapafúrdio mesmo, mas compreendeu, expelindo um “Ah!...” É que João Baptista era um empecilho ao seu casamento com Herodíade, já porque não se cansava de anunciar a toda a gente: “O Reino de Deus está próximo! Convertei-vos e arrependei-vos, pois o machado encontra-se junto à raiz da árvore. E toda a árvore que não der bom fruto será cortada e lançada no fogo que nunca se extingue.”, já porque censurara abertamente Antipas, dizendo-lhe: “Tu cometes pecado e serás réu, anátema de Javé, se te casares com a mulher do teu irmão!”. O rei, não esperando tão estranho, tenebroso pedido, ficou por momentos perplexo, franziu o sobrolho, arregalou os olhos. Não podendo, no entanto, recusar aquela enormidade, e para ficar tranquilo com a sua consciência, cumprindo a palavra dada, invocou para si a questão da pax publica, isto é, a manutenção da ordem entre o povo a que se obrigara perante os romanos ocupantes. E esta era tarefa realmente importante a cumprir, juntamente com a da recolha dos tributos pagos religiosamente a César, o todo-poderoso imperador de Roma que, no seu caso, foram vários, desde Octaviano Augusto que se tornara imperador após a batalha de Actium, em 31 a.C., passando por Tibério que sucedeu a Augusto em 14 d.C., e ainda, nos dois últimos anos do seu reinado, Gaio Calígula que sucedeu a Tibério em 37 d.C. Aliás, foi Calígula que em 39 veio a destituir e a desterrar Antipas, acusado de conspirar contra Roma. Ora João Baptista era nitidamente um agitador e tinha cada vez mais prestígio e poder junto das massas de seguidores, também eles acreditando num fim último muito próximo e na vinda do Reino de Deus, expressão inspirada que ia ao encontro das expectativas do povo de Israel: para uns, a restauração do reino das doze tribos com a ajuda de Javé, como antigamente; para outros, um reino do Céu desconhecido, mas tremendamente apelativo. Tal movimento poderia facilmente degenerar em rebelião e criar-lhe problemas a si e ao seu poder real. Assim, decidiu, bradando para os seus lacaios: “Em nome da pax publica, que se prenda e se corte a cabeça a João Baptista!” Grande foi o burburinho pela sala. Mas logo, remetendo-se ao silêncio, todos se conformaram, compreensivos, com a real ordenação! Claro que a decisão só foi tomada pela premente exigência de Herodíade e o solene comprometimento do rei. Não fora isso, não tivera a paixão ocupado em Antipas o lugar da razão, e João Baptista, apesar de suposto agitador de massas, ainda teria vivido muitos mais anos para apregoar o fim dos tempos, tornando-se certamente o meu braço direito em tão difícil missão. É que também eu acreditava nesse fim, chegando o evangelista a pôr na minha boca: “Não passará esta geração sem que tudo isto aconteça!” Ora, o meu “isto”, obviamente, não se concretizou, nem naqueles tempos, nem nestes tempos...

8 comentários:

  1. Estive a ler atentamente o seu texto.
    Espero para o ano visitar mais o seu blogue.
    Desejo-lhe o melhor 2013 possível.
    Bj.
    Irene Alves

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    1. Caríssima Irene,
      É sempre um prazer vê-la por cá. Espero que não fique desiludida e que o que vou escrevendo contribua para se aperceber melhor de como as religiões - neste caso, o cristianismo - foram elaboradas por alguns homens (só homens, nunca muheres!!!) ditos iluminados, pelos próprios ou pelos seus dscípulos ou seguidores, e assim as venderam aos outros Homens, tendo inexplicavelmente convencido delas milhões que continuam a acreditar neles e nas suas falaciosas (ou falsas?) mensagens. Inexplicavelmente? - Não! As razões por que nasceram as religiões são conhecidas de todos os intelectuais religiosos ou não, a começar e a acabar nos papas, rabinos, gurus, imans, mas a quem interessa manter os status quo para não perderem o poder sobre as consciências dos milhões que têm alienados. Não me alongo mais: o assunto já foi qui tratado em textos anteriores. Mas não há dúvida: a religião conforta muita amargura, muita frustração, muita tristeza, muitas lágrimas. E contra isso... não tenho argumentos!!!
      Felizes Festas, Feliz Ano Novo de 2013!

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  2. Quem pode falar do vento se não o vemos, mas podemos sentir sua brisa e seu frescor. Quem pode falar do que não tem cor, nem cheiro, mas que pode trazer o perfume das flores e tocar nossa face como a fazer carinho. Quem pode responder todas as perguntas e incógnitas dos mistérios entre vida e eternidade?


    Obrigada pela visita e pelo comentário, um FELIZ ANO NOVO!

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    1. Olá, Simone! Você tem poesia na sua fala de prosa! Quanto à eternidade, ha, como quiséramos ser eternos! Mas... donde nos vem, donde nos veio tão inusitado desejo? É que nós pertencemos ao Tempo, não há como explicar que queiramos ser eternos! Creio que só fantasiando... Depois desta vida - a única certa! - integrar-nos-emos no Cosmos donde um dia brotámos! E, se um dia brotámos, em outro dia teremos forçosamente que nele nos integrar. Disso não tenho dúvidas!
      Bjs e continuação de Bom Ano!

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  3. Olá Sr. Domingues.
    Passei para agradecer a visita ao meu blog,as suas palavras e os cumprimentos de Boas Festas.

    Eu não tenho deixado comentário, mas sempre passo por aqui.

    Que o 2013 por ser 13,traga a tão ambicionada prosperidade.
    " Mas não é o tempo ou o ano,o autor do bem ou do mal..."
    É o homem, que é a máquina mais perfeita que existe, e será o homem que há-de liquidar a vida no planeta.Mas enquanto isso não acontece, vamos trocando cumprimentos e desejos de bem estar. Eu também não fujo à regra...
    Feliz e Bom Ano Novo!
    Dilita

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    1. Olá, Dilita! Muito gosto em saber que vem por aqui "beber" um pouco de Ciência ou de crítica às fantasias das religiões, fantasias que, desde pequeninos, nos quiseram impor como verdades incontestáveis. Quando não concordar com alguma coisa, diga que eu esclareço. Quanto ao Homem liquidar a vida no Planeta, esteja descansada, pois a Vida, desde que apareceu, tornou-se uma realidade irreversível. Não há nenhum ser vivo capaz de a destruir. Mais depressa uma nova época de glaciação matará a maior parte dos seres vivos. Mas, mesmo aí, como no passado, muitos serão os resistentes e esses serão os novos habitantes do Planeta até que este se extinga com o morrer do Sol daqui a cerca de 5 mil milhões de anos. É muito! Para nós, basta-nos o gostinho do dia a dia, enquanto houver vida e vontade de a viver, não é?!
      Bjs. E continuação de Bom Ano de 2013!

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  4. Olá Francisco,

    Obrigada pela presença no blog e suas palavras de felicitações.
    Gosto de suas contestações,por serem fatos históricos, verídicos e informativos (vindo de quem conhece o que diz!) para quem deseja se esclarecer em muitas questões tidas como "fenômenos" e que na realidade, não o são.
    Mas,temos que admitir o quanto polêmico se torna este assunto quando mexemos com o lado emocional do ser humano, que é tão vibrante e não deseja que seja diferente.

    Meu Amigo, Que 2013 seja um ano pleno de realizações em tua vida, seja pela saúde, por uma paz almejada, pela harmonia que equilibra-nos,e muita Luz.
    Grande Abraço,
    Lecy'ns

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  5. Olá, Lecy'ns! Muito obrigado pelos seus votos! Novamente retribuo! O lado emocional do ser humano é tanto um problema como uma solução para o Homem. Realmente somos razão e emoção. Mais emoção para o neurologista António Damásio, mais razão para o filósfo francês Descartes: "Penso, logo existo!", disse já no longínquo séc. XVII. Repito: as religiões são para muitos lenitivo nas dores, esperança na morte, refúgio nos muitos medos que apoquentam tantos. Então, a cada um as suas escolhas. Eu escolho a Ciência que me faz consciente da realidade. E isso me ajuda a parte emocional, lembrando-me que tenho de aproveitar ao máximo cada momento de vida que me é dado viver, pois são sempre momentos únicos e irrepetíveis e perdendo-os, perco-os para sempre. O que é uma pena! Por isso, vivo nos máximos sempre que posso, equilibrando prazer com escolhas certas ou necessariamente monótonas.
    Bjs e continuação de um óptimo 2013! Que saiba ser Feliz, são os meus votos! É que ser feliz é uma questão de inteligência...

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