domingo, 6 de outubro de 2013

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu? (46/?)

 
A minha morte
 
    Da minha morte, apesar das muitas incertezas quanto à data referida pelos evangelistas, estava tentado a dizer-vos o ano, o mês, o dia, a hora e até o dia da semana, pois, no dia seguinte, sábado, comemorar-se-ia a Páscoa, a grande festa judaica que já não me deixaram comemorar: morri pelas três horas da tarde do dia três de Abril, que era uma sexta-feira, do ano 35 da era cristã. Tinha uns quarenta anos de idade.
    Se quiserem, acreditem nas narrativas factuais dos evangelhos e em todos aqueles sofrimentos horríveis que me infligiram, considerando-me réu de morte, uns por blasfemo, outros, Pôncio Pilatos incluído, por ter de algum modo atentado contra a soberania de Roma e o seu todo-poderoso Imperador, dizendo-me rei e não o negando, tendo suportado masoquistamente a flagelação, a coroação com espinhos, o transporte da cruz a subir o monte do Calvário onde me iriam crucificar. Acreditem ainda naqueles românticos episódios, primeiro do sono, depois da fuga dos discípulos, o meu suar sangue, suor e lágrimas, o beijo do pobre Judas que me traiu, os meus lamentos perante Deus que me abandonara em hora tão trágica... Mas não acreditem, obviamente, em todos os fenómenos naturais descritos por Mateus aquando da minha morte: terramotos, escurecimento do céu, cortinas rasgando-se no Templo, mortos a ressuscitarem por todos os cantos da cidade... Aquele Mateus bem poderia pensar que, dizendo tais barbaridades, só seria acreditado por quem nunca iria ter, durante a vida, a luz da razão espevitada pela Ciência e pela Verdade. Enfim, foram “limitações” dos escribas do tempo que iriam ser bem aproveitadas por muitos, séculos fora, arrogando-se o direito de se dizerem meus representantes, meus seguidores e de me adorarem como Filho de Deus que não sou, ou sou e fui tanto como qualquer ser humano o é: uma partícula do Deus da Harmonia Universal que é tudo e tudo contém. E... recordam-se? Recordam aquela comovente cena de eu dizer ao “bom” ladrão que estava sendo crucificado a meu lado: “Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso!”? Ah, como gostaria que tal tivesse sido verdade e não fantasia do evangelista! Como gostaria! Verdade para ele... Verdade para mim também!
    Da ressurreição, em que se baseia toda a Fé dos cristãos, a começar por Paulo que viveu no meu tempo, que poderei dizer? Que é mais uma falsidade? Mais uma fantasiosa congeminação? Uma pura invenção, imitando as lendas dos deuses solares que ressuscitavam em cada Primavera? É, sem dúvida, o culminar das invenções orquestradas para me fazerem o tal Cristo em que quiseram transformar-me com os mais diversos fins. Mas, sejamos benevolentes, o principal objectivo seria, com certeza, resolverem as suas dúvidas existenciais sobre um Além desconhecido, projectando-se num Paraíso habitado por um Deus magnificente, e por toda a eternidade. Então, terão direito ao nosso perdão, embora a Verdade seja a de que não houve ressurreição nenhuma, sendo portanto, nas palavras de Paulo, vã toda a fé que se queira construir a partir dela... Aliás, as ressurreições referidas no A.T. ou as que me são atribuídas, sendo a de Lázaro a mais espectacular por já estar morto havia quatro dias, as que são atribuídas a Pedro e a Paulo ou outras quaisquer, são apenas efabulações poéticas de metafórico significado. Nada de verdade existiu nelas!
    Também não apareci ressuscitado a ninguém! Como poderia ser, se a minha ressurreição pertence ao domínio da fábula? Se tal tivesse acontecido, seria fenómeno a ser conhecido por todo o Império Romano e não só em Jerusalém, onde, segundo os evangelistas, cada um a seu modo e com diferentes personagens, eu apareci a umas quantas mulheres e a alguns discípulos, mostrando as chagas das mãos e dos pés, comendo e bebendo, abençoando e partindo o pão... Tudo fantasias! Quem poderá pensar que se eu tivesse tido o poder de ressuscitar, apareceria apenas a uns poucos dos que me conheceram e não a multidões, aos próprios que me condenaram, neles Pôncio Pilatos, indo triunfante até ao César de Roma? Quem? Como perderia eu tamanha oportunidade de fazer realmente descer o Céu à Terra e convencer todos os humanos do Reino de Deus e de fraternidade universal a implementar na mesma Terra? E então, sim: o brado da minha existência teria ecoado pelos séculos dos séculos, todos os historiadores relatariam longamente o estranhíssimo fenómeno, acabar-se-ia o moribundo, ao tempo, judaísmo, não teria havido lugar a Maomé com seu Corão e a sua religião, e o mundo, hoje, seria outro completamente diferente. Certamente muito melhor! Assim, foi realmente pena que a minha ressurreição se tivesse ficado pela pura fantasia dos evangelistas, não foi?
    Enfim, também não houve nenhuma ascensão ao céu! Infelizmente! E também aqui bem gostaria de me ter prolongado como indivíduo por toda a eternidade junto de um Deus sempre renovado! Oh, se gostaria! Mas... não! Humano como todos os humanos – aliás, não há, nunca houve, não haverá de certeza seres divinos nenhuns à face da Terra! – voltei ao pó donde viera, dando razão ao Génesis: “Lembra-te, ó Homem, que vieste do pó e para o pó voltarás.” É pena! Muita pena mesmo! Pena de levar às lágrimas qualquer um! “A frustração total!” –gritareis vós. Certo! Mas que havemos de fazer se esta é a inexorável Verdade, a única Verdade acerca da condição humana? “Ah, como nos deixas sem nenhuma fé, sem nenhuma esperança, sem nenhum sentido para a vida que, em breve, se acabará! Não! Não te queremos ouvir! Vai-te e não fales mais!” – direis ainda.
    Sem resposta, com a voz se me embargando de vos ter deixado nessa frustração da não existência de um Além, de uma eternidade, de um Paraíso e nele um Deus magnificente, só me resta despedir-me de vós que, apesar de tudo, tivestes a paciência de aqui estar comigo. Adeus, até à... eternidade onde me encontro, eternidade que existe em toda a parte e em parte nenhuma. A “minha” eternidade, a eternidade de todos! Nem céu, nem inferno, nem Deus nem o Diabo neles! O... NADA! Ou... o TUDO, pois permaneço em moléculas de outros seres que “ansiavam”, na ordem natural das coisas, pela minha morte, para de mim “herdarem” átomos e moléculas que lhes dão o ser e a vida que agora possuem. Assim, sou eterno, sou, não como indivíduo que já fui, mas nesses seres, outros que não eu, que me perpetuarão pelos séculos dos séculos, enquanto houver tempo, que forçosamente se perderá na eternidade!...
 
 
 
 
FIM

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