terça-feira, 20 de agosto de 2013

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu? (39/?)


    – Então, serei preso e matar-me-ão. Oxalá que não seja a morte de cruz, suplício horroroso que os romanos infligem aos desordeiros políticos e aos que se revoltam contra Roma.
    – Lembra-te que disseste que eras rei, embora o teu reino não fosse deste mundo.
    – Pois é: para os meus inimigos será útil a confusão. Eu bem lhes direi que o meu reino é reino da fé, é reino de Deus e não de Homens; mas eles não entenderão nem lhes convirá entender já que desejam ardentemente a minha morte... Agora, caro Nicodemos, só queria voltar a pedir-te que, nos teus escritos, não deixasses morrer o mistério de ser eu Filho de Deus, de ser eu o Messias ou Filho do Homem, o mistério do Reino de Deus que ninguém quer entender, o mistério da minha mensagem de vida eterna no Céu junto a Deus para os justos e bons, aqueles que ouviram o meu apelo de “Ama o teu próximo como a ti mesmo”, aqueles que conseguiram amar os inimigos e dar a outra face, e, obviamente, vida eterna no Inferno com Satanás para os maus e corruptos, pois talvez, por medo, se convertam ou se tornem, pelo menos, menos maus, menos corruptos... Não, não me deixes morrer, para que todos se convençam da “minha verdade” de um Filho de Deus que veio do Céu para estabelecer na Terra o Seu Reino, da “minha vida eterna”, mesmo que o fim dos tempos, como fervorosamente apregoei na linha de João Baptista, não aconteça nem nesta nem nas próximas milenares gerações... Serás como que o meu continuador para além dos meus discípulos que não sei se não se dispersarão com a minha morte.
    – Claro que – já to prometi – não te deixarei morrer! Mas..., mas então, não estás assim tão convencido do fim dos tempos e da vinda iminente do Filho do Homem a julgar os vivos e os mortos num Juízo Final como apregoaste ainda não há muitos dias, junto ao Templo?!
    – Não, não estou convencido. Ou plenamente convencido. Mas pensei ser óptima ideia de João que levaria muitos ao arrependimento e à aceitação da minha mensagem. Por isso, não hesitei em adoptá-la como minha.
    – Não há dúvida: és realmente um génio! O medo sempre foi a melhor arma de que os nossos estrategas e políticos de todos os tempos, como nos revelam as Escrituras, lançaram mão para manterem na ordem e no temor de Javé o povo de cabeça dura que hoje perdura como herança das doze tribos de Israel. Sempre elegendo Javé como ditador de tais ordens. Mesmo de guerras. Mesmo de massacres de populações inteiras... Pena é que também muitos ricos e senhores da Terra, não te acreditando nem temendo os teus Infernos, se vão aproveitar da religião para aumentarem as suas riquezas, sem que os pobres e oprimidos se revoltem e exijam os seus direitos. A começar pelos sacerdotes, os primeiros parasitas da sociedade a beneficiarem dela: limitam-se a pregar, a explicar o inexplicável, a exorcizar, sempre bem alimentados pelo dízimo, sem conspurcarem as mãos em trabalhos de cavar, de semear ou de colher!... Mas queria dizer-te que, para não deixar morrer, com a tua morte, esse teu carisma de Cristo, de Messias, de Filho de Deus que veio trazer aos Homens a esperança na vida eterna para os que acreditarem em ti, contratei o meu escriba Mateus, mestre em lendas e narrativas, a quem darei o caderno de notas que o meu servo Levi andou recolhendo, acompanhando-te durante as tuas pregações, compilando os teus ensinamentos. Mas Mateus não se limitará a narrar de forma mais bela tais apontamentos: dar-lhes-á conteúdo divino, indo buscar aos mitos antigos, sobretudo aos dos deuses solares, um nascimento fantástico, começando logo por te fazer nascer de uma virgem, e cheio de maravilhas como convém a um deus ou um filho de Deus; depois, muitos milagres, fazendo-te mesmo ressuscitar mortos, multiplicar pães e peixes para alimentar multidões famintas, como os nossos antepassados das Escrituras inventaram acerca de Moisés que pediu a Javé o milagre do maná no deserto, acontecendo tal maravilha todos os dias durante quarenta anos; sem falar, claro, nas muitas curas de cegos e paralíticos e endemoninhados com que maravilhaste tantas vezes as multidões; irá buscar as profecias messiânicas das Escrituras aplicando-as a ti; fará acompanhar a tua morte de fenómenos extraordinários e, depois, tendo nós roubado o teu corpo do sepulcro, ele dirá exactamente o contrário, que alguém o queria roubar, obrigando o procurador a guardar a sepultura com soldados. Então, diremos que ressuscitaste, como ressuscitavam os deuses solares dos antepassados mesopotâmicos, egípcios e caldeus. A primeira a “ver-te” será Maria Madalena e ela anunciará a todos a tua ressurreição e todos, a começar pelos teus discípulos que sabem em quanta consideração tens esta mulher, acreditarão nela e espalharão a “Boa Nova” por toda a comunidade nascente, comunidade que se chamará cristã, por te seguirem como o Cristo, o Enviado de Deus.
    – Tudo muito bonito! Excelente! Só que dessa minha origem divina é que será mais difícil convencer as gentes, pois...
    – João, o sacerdote, é homem de muita cultura e de boa escrita. Ele tratará de te colocar no Céu, falará da tua vivência com o Pai, com Deus, de quem te fará Filho único e verdadeiro mas em tudo igual ao Pai, para que com o Pai sejas um só e não dois deuses diferentes. Entendes?
    – Fantástico! Tendes a receita perfeita para convencer o mundo! E eu terei cumprido plenamente a minha missão na Terra. Se houver recompensa eterna, de certeza que a ganharei. Vós também, por acréscimo. Os outros, todos os outros, toda a humanidade futura se a quiser ter, tal como nós, que acredite, que tenha fé, a fé de arrasar montanhas!
    – Como gosto de te ouvir, Jesus! Quem dera que essa vida eterna não fosse apenas da tua fantasia, mas fosse real e verdadeira, não fosse apenas da fé! Quem dera!
    – Olha, Nicodemos, com toda a comoção na alma te digo: acredita! A fé é a única solução que nos resta...
    – És um adorável incorrigível, Jesus! Adeus!
    – Adeus, até... à eternidade!
    – Junto de Deus, obviamente...
    – Junto do meu Pai que está nos Céus!...
    Despedimo-nos com um beijo de amizade, olhando-nos longamente nos olhos, mãos nos ombros de um e de outro, ambos sorrindo displicentemente de tanta fantasia que gostaríamos de transformar em realidade, mas totalmente convencidos de que, em tempo algum, tal fenómeno, tão desejado, mas tão bizarro fenómeno, pudesse acontecer...
    Madalena ausentara-se para a cozinha, deixando no entanto entreaberta a porta do salão, certamente para ouvir, curiosa, a nossa douta conversa...

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