sábado, 11 de fevereiro de 2017

Do corpo e da alma


Será que a pessoa humana é uma dicotomia alma/corpo, o corpo suportando a alma, ambos coexistindo, enquanto há vida e se separam quando morrem? E como definir alguém em estado de coma? Ou quando perde os sentidos, a consciência? Ou no limiar da morte?  Ou quando jaz morto, já cadáver? – Para responder, temos de definir o que é a alma, a anima dos latinos ou a psiké dos gregos. Já dizia o filósofo grego Sócrates, séc. IV a.C., que, aquando da morte, o que morre é apenas o corpo, a alma sobrevive em outro lugar, outra dimensão.
Tal dicotomia tornou-se clássica e foi bem aproveitada pelas religiões para atribuírem uma eternidade à alma, ao espírito, àquilo que, afinal, definiu uma pessoa, enquanto ser humano racional tendo, após a separação do corpo, de estar sujeita a um julgamento a que se seguiria um Céu como recompensa pelo Bem feito, ou um inferno como castigo pelo Mal praticado. O corpo foi mais ou menos belo, mais ou menos alto, mais ou menos volumoso, mas isso pouco importou. O importante foi mesmo o espírito, a essência da pessoa, sendo esta vida uma passagem para a outra, a eterna.
Ora bem, à alma atribuem-se facilmente todos os predicados que, fazendo parte da essência humana, são imateriais ou, se quisermos, não fazem parte das componentes do corpo, essa máquina fantástica mas que é pura matéria orgânica animada da energia que lhe é fornecida todos os dias pelos nutrientes de que se alimenta, pelo ar que respira.
No entanto, a alma só subsiste, enquanto existe corpo e subsiste “inteira”, enquanto este não é mutilado em algum dos seus órgãos essenciais, sobretudo o cérebro. Atinja-se o lóbulo X e a pessoa deixará de falar, ou o lóbulo Y e deixará de raciocinar, etc., pois sabemos que é no cérebro que estão localizadas as diversas funções da alma.
O cérebro é fantástico: sendo pura matéria, composta por milhões de neurónios ligados por milhares de milhões de sinapses, consegue congregar em si todas as atribuições da alma: a razão e o pensamento, a capacidade de construir raciocínios abstractos, os diversos tipos de inteligência, as emoções, a vontade, a intuição, a determinação, o espírito de decisão, os sentimentos de amor, ódio, vingança, inveja, benevolência, paciência, compaixão, a paixão, a ética, a moral, a perversidade, a ganância, a animosidade, a incompreensão, o ressentimento, o arrependimento, a generosidade, a comiseração…, a regulação do instinto de sobrevivência – o mais forte em qualquer ser vivo! – bem como as coisas mais comezinhas ligadas aos sentidos da vista, olfato, gosto e tacto, até à detecção da dor, do desejo, da libido, do prazer, da sede, da fome…, determinando e obrigando o corpo a exercícios que nem sempre são os mais adaptados ao mesmo corpo, mas levando este a manifestar capacidades que, não exercitado, nunca conseguiria alcançar, tanto no desporto, como na arte. Por exemplo, para dominar um instrumento musical, quantas horas diárias de treino não são necessárias?! Haverá, pois, muita razão no dizer que “quando a cabeça (a alma) não tem juízo, o corpo é que paga”, embora a dor de um (o corpo) se reflicta, como espelho, no outro (a alma), ambos se afectando contínua e mutuamente. Para o bem e para o mal!
Enfim, o cérebro é a matéria capaz de produzir não-matéria, como raciocínios e abstracções, actividades próprias daquilo a que podemos chamar de espírito. Um milagre? – Se há milagres, este é um deles. Tal como a Vida que brotou, um dia – há três mil e quinhentos milhões de anos – supõe-se que nas lagunas superficiais da Terra, onde vários elementos químicos aquecidos pelo Sol, foram levados a reacções de união e multiplicação, originando moléculas energizadas, logo, contendo vida. Daí até ao Homem, foi uma longa odisseia, felizmente já parcialmente conhecida, tendo talvez culminado na época dos dinossauros que reinaram na Terra cerca de duzentos milhões de anos e se extinguiram há cerca de sessenta e cinco milhões, subsistindo deles ainda alguns pequenos exemplares répteis ou alados. O Homem – este “grande” senhor, capaz do melhor e do pior do que já alguma vez se viu à face da Terra – apareceu apenas há quatro milhões de anos, por evolução das espécies. Em termos do Tempo Universal, foi há coisa de poucos minutos ou segundos…  
Sendo assim, poderemos dizer que a alma é o cérebro, já que este contém todas as funções que lhe são atribuídas? Ou é o sopro vital que anima o corpo, já que, num cadáver, a forma ainda lá está, mas inanimada? Ou é a consciência de todas estas virtualidades actualizadas, já que, em estado de coma, o corpo vive vegetativamente apenas, mas não morreu, i. é., ainda tem o sopro vital – o coração bombeando o sangue e os pulmões purificando-o – e tem, em potência, as propriedades da alma que serão recuperadas se se sair daquele estado? (No coma, é clara a dicotomia clássica corpo-alma).
Vamos ao início: da união de um espermatozóide e de um óvulo, nasce um novo ser, uma nova vida! Lindo! Fantástico! E, naquele momento, começam a viver, em simbiose perfeita, um corpo e uma alma que, carregando a carga genética – não toda e, infelizmente, muitas vezes nem sempre a melhor! – dos seus progenitores, jamais se separarão, significando que o corpo é o suporte da alma e a alma o suporte do corpo, ambos com funções diferentes e alimentando-se de modos diferentes: o corpo com nutrientes-matéria, a alma, com aprendizagens sucessivas até atingir um grau de humanidade diferenciada conforme os múltiplos factores de que depende o novo ser: local onde nasceu, os progenitores, a sociedade onde se insere, etc., etc. Passado o seu tempo, esse ser morre, isto é, separam-se corpo e alma. Realmente, separar o corpo da alma é matar ambos, pois um não vive sem o outro, logo, é matar o ser existente. Quando o corpo deixa de funcionar, o coração parando e não mais bombeando o sangue que o irriga, a alma “apaga-se” com ele. Tal como quando nasceu se “acendeu” com ele! A energia que a constituía e com a qual animava o corpo, sendo ela essa mesma energia, simplesmente desapareceu; ficam as moléculas de matéria orgânica de um corpo que, cadáver, ainda tem forma, mas que muito em breve será apenas átomos e moléculas que irão integrar-se no donde vieram: a Mãe-Terra!
Resta dizer que tudo o que se disse dos humanos, se pode dizer de qualquer animal, mutatis mutandis, com muitas semelhanças, nuns, muitas diferenças noutros, uns guiando-se mais pelo cérebro, outros mais pelo instinto. E, no limite, se pode dizer de qualquer ser vivo, do micróbio, aos seres unicelulares, a qualquer vegetal ou planta…

3 comentários:


  1. 1 - Das razões de ordem histórica, lógica e ontológica, para a impossível imortalidade da alma, vide meus dois textos, aqui no arquivo do blog, de 06/02/2012 e 13/02/2012.
    2 – Sobre a alma e a possível vida desta pós-morte, veja-se o excelente programa de Morgan Freeman, passado no Discovery Channel, sexta-feira, dia 10, às 20H05, na série “Segredos do Universo”.

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  2. Texto muito confuso que peca por fazer considerações sobre uma hipotética alma sem explicar o que é isso. À falta de uma boa definição/explicação do que é a alma cada vez mais me convenço que não existe tal "entidade".

    Discutir a imortalidade da alma parece-me portanto tão pertinente como discutir o sexo dos anjos.

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    1. Resumidamente: o corpo é a máquina biológica, composta pelos inúmeros órgãos que a compõem; a alma é a outra parte, a psicológica com as valências todas que conhecemos e que lhe atribuímos.
      Mas, de acordo: como alma e corpo são indissociáveis na pessoa, sendo ela própria, não faz sentido a separação nem o falar de eternidade para aquela quando este perece e desaparece.

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