segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A Eucaristia, mistério da Fé (5)

O milagre de Paulo, o único conhecido que lhe é atribuído: “Paulo (...) dirigia a palavra aos fiéis e prolongou o discurso até à meia noite. Havia muitas lâmpadas na sala superior onde estávamos reunidos. Um jovem chamado Êutico, que estava sentado sobre a janela, adormeceu durante o prolongado discurso de Paulo; vencido pelo sono, caiu do terceiro andar. Quando o levantaram, estava morto. Então, Paulo desceu, inclinou-se sobre o jovem e, abraçando-o, disse: «Não vos preocupeis, porque ele está vivo». Depois, subiu novamente, partiu o pão e comeu. (...) Quanto ao jovem, levaram-no vivo, e sentiram-se muito confortados”. (Ac 20,8-12) Comentário? – Só se for para dizer que é mais uma falsidade inventada por Lucas: o rapaz ou estava morto ou não; se estava morto, não havia Paulo algum do mundo que o devolvesse à vida... O mesmo, aliás, se passou com as outras três ressurreições operadas por Jesus e narradas nos evangelhos e também uma atribuída a Pedro, bem como as espectaculares ressurreições dos mortos, saindo dos sepulcros e passeando-se alegremente pela cidade, sendo vistos por muitas pessoas, aquando do último suspiro de Jesus na cruz (Mt 27,52-53): tudo fantasias ou invenções! Piedosas, se quiserem... E que nos diz João, que escreve entre os anos 90 e 100, da eucaristia (60 a 70 anos depois do acontecimento da última Ceia)? “E Jesus continuou: «Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem come deste pão viverá para sempre. E o pão que eu vou dar é a minha própria carne, para que o mundo tenha a vida. (...) Eu vos garanto: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu ressuscitá-lo-ei no último dia. Porque a minha carne é verdadeira comida e o meu sangue verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue vive em mim e eu vivo nele».” (Jo 6,51-56) Também não refere o “Fazei isto em memória de mim”. É nitidamente uma literatura que nada tem a ver com a singela narrativa de uma ceia de despedida de Marcos, Mateus e Lucas. Também pouco tem a ver com Paulo. Escrevendo para pagãos que queria converter, onde os cultos incluíam ritos eucarísticos (de acção de graças) em que comendo o pão e bebendo o vinho, comiam o corpo e bebiam o sangue dos próprios deuses naqueles produtos representados, João ignora completamente os factos da última ceia – gestos e palavras – e faz a sua própria interpretação da figura de Cristo já mitificado em Deus. A Igreja “cozinhou” os vários documentos referidos e deles extraiu conclusões absolutamente absurdas, obviamente com interesses numa continuada mitificação de Jesus no Cristo divino, e também de poder e de controlo sobre as consciências dos fiéis, elegendo o sacerdote como classe à parte, dotado de poderes extraordinários: fazer descer, em cada missa – ou cada vez que pronunciasse as mágicas palavras – Jesus do Céu à Terra, oferecendo-se, em cada missa, como agradável sacrifício a Deus-Pai! Grande arquitectura fantasiosa, não há dúvida! E, para que nenhum fiel contestasse tamanha ousadia, vá de apelidar o acontecimento como “Mistério da Fé”!... Para não nos alongarmos, ainda dedicaremos um próximo texto a esta “história” da eucaristia. (Cont.)

3 comentários:

  1. Caro Francisco Domingues,

    Como refere nesta passagem:

    “Escrevendo para pagãos que queria converter, onde os cultos incluíam ritos eucarísticos (de acção de graças) em que comendo o pão e bebendo o vinho, comiam o corpo e bebiam o sangue dos próprios deuses naqueles produtos representados”

    Não é a primeira vez que leio e ouço dizer que o Cristianismo tem muitas semelhanças com outras narrativas religiosas que existiam naquela época. Outro exemplo: o deus que ressuscita dos mortos ao terceiro dia, etc.

    Seria interessante num tópico futuro escrever sobre essas “coincidências”. Fica a sugestão.

    Saudações

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  2. Também subscrevo a sugestão do 1º comentador: que aprofundasse essas práticas de ritos eucarísticos antigos.

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  3. Prometido, caros amigos Pedro Miguel e Cisfranco. Num dos próximos textos. Até lá, Boas-Festas e um Feliz 2012, sorrindo à crise para que haja mais vida para além dela!
    Cordiais saudações!

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