segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

A impossível imortalidade da alma humana (2/2)

Permitindo-nos, agora, voar um pouco nas asas da filosofia, temos forçosamente de nos embrenhar na controvérsia de saber se aquilo a que chamamos alma é ou não a expressão do nosso cérebro, repositório de todas as prerrogativas atribuídas à alma, questionando, portanto, a sua imaterialidade. Afinal, o que é a alma humana? – Quer no sentido clássico, quer no religioso, a alma humana é, além do “sopro vital” comum a todos os seres vivos – a anima dos latinos – a “entidade” que se manifesta na inteligência e capacidade de raciocinar, nas emoções, no carácter, na capacidade percepcional da informação que os sentidos lhe fornecem, na capacidade de querer e de decidir, na consciência de cada um, havendo, desde a antiguidade, a discussão em torno de saber se ela é autónoma e subsiste por si – a psyké dos gregos. Mas basta ler os estudos dos neurologistas – citemos, por exemplo, Damásio nos seus livros “O Erro de Descartes” e “O Sentimento de Si” – para nos apercebermos de que todas as componentes atribuídas à alma estão no cérebro e que, quando qualquer função do cérebro é afectada por trauma ou doenças, lá se vão as respectivas prerrogativas da alma... A dicotomia alma-corpo torna-se mais evidente na morte: corpo sem vida para um lado, a alma para outro. Ou morreu com o corpo que a sustinha, deixando de “soprar” vida, de manifestar-se em vida no corpo com o qual foi una e indivisível? Como sopro vital, ninguém duvida de que deixou de vivificar o corpo; mas sempre dependeu, mesmo na sua essência, do bom funcionamento dele: “Que me importa o mundo se a digestão me pesa?” Inteligência e emoções, o carácter, a vontade ou o livre arbítrio, as capacidades de perceber e de decidir e até a consciência de si podem soçobrar perante um abuso gastronómico! Quando alguém sofreu morte cerebral – situação diferente da do estado de coma ou da de vida puramente vegetativa – perdeu todas as capacidades que se manifestam com e pela alma: tem activas simplesmente as funções vegetativas se se mantiver ligado a uma máquina que respire por ele. Afinal, há um corpo que funciona sem... alma! No entanto, estes estados de “quase” morte ainda apaixonam muitos estudiosos, curiosos por saber o que se passará nesse tremendo limiar em que todos os seres vivos um dia forçosamente se encontrarão. A clássica dicotomia corpo-alma, tanto do agrado dos muitos que, ao longo já de milénios, se dedicaram ao estudo da alma: Platão, Aristóteles, S.to Agostinho, S. Tomás de Aquino, Descartes – para citar apenas os mais importantes – sendo esta a forma daquele, torna-se difícil de explicar à luz da Ciência actual; realmente, cada um tem o corpo e a alma que a genética lhe deu; os genes determinaram um e outro no acto primordial da vida do novo ser. Ao humano juntou-se-lhe a racionalidade que teve o condão de refinar a expressão das emoções e do carácter, suplantando todos os outros animais. Parece que só na memória o elefante lhe levará vantagem, não falando, claro, no campo sensorial!... Comparando tal dicotomia com a realidade, lembra-nos o caracol que não vive sem a sua carapaça, nem esta interessa sem que aquele exista e se movimente dentro dela e com ela. Sendo assim, a “forma” – a alma – só é possível visualizar-se, activar-se, ou seja, existir e subsistir, através de e com o seu suporte – o corpo. Quebraremos de uma vez por todas, quebrará a Ciência a velha dicotomia: alma-corpo, para abraçar o dígrafo: cérebro-corpo, como definidor da realidade Homem? Pouco ou nada lhes importando a Filosofia, as religiões aproveitaram esta clássica dicotomia – alma/corpo – para criarem a sua eternidade e a sua imortalidade, fantasiando céus e infernos, paraísos com anjos e santos e, para os muçulmanos – cúmulo da imaginação sensitiva!!! – com centenas de virgens formosas e de grandes olhos para os mancebos que, cá na Terra, combatessem pela causa de Alá! Fantástico, não é? E não é que disso convencem milhões!!! Resta a tremenda pergunta que todos nos fazemos: “Afinal, para onde vou?” A resposta já aqui a demos, mas repito-a: “Não vamos para lado nenhum, pois não viemos de lado nenhum. Tendo emergido da matéria viva, num dado momento do Tempo, fizemos parte, durante algum tempo – tão pouco, santo Deus! – ocupando um certo espaço, deste Todo que é o Infindável Universo, Universo Infindável a que podemos chamar DEUS, o Deus da Harmonia Universal que todo o Universo é! E n’Ele nos integraremos, logo que, inexoravelmente, o nosso pouco tempo se acabar. Para sempre! Esta, a única Eternidade - ou imortalidade! - que nos é possível!...”

5 comentários:

  1. É uma questão que continua em aberto. Os estudos das neurociências têm de facto servido de apoio à tese que a consciência é um produto do cérebro e que termina com a sua morte. No estado actual do meu conhecimento estou inclinado a concordar. A consciência de si acaba com a morte. No entanto, pessoalmente, coloco a hipótese de haver qualquer tipo de energia vital que continue. Mas claro, esta ideia é muito diferente das teses religiosas tradicionais, em que a pessoa vai para o mundo espiritual com consciência de si e até com um corpo espiritual à semelhança do que tinha na vida terrena (é caso para perguntar nos casos de pessoas que têm paralisias cerebrais e motoras graves, se vão viver uma eternidade de sofrimento?)

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    1. Mas, caro Miguel, que tipo de energia vital seria essa? Talvez a Física Quântica aponte nesse sentido, tanto quanto me é dado perceber de tal ramo da Ciência. Mas nunca seria uma energia personalizada em mim ou em si ou em qualquer ser humano, depois de ter cumprido o seu ciclo vital no tempo. No limite, se quisermos, podemos chamar-lhe utopia ou sonho. E não será que o sonho poderá conter algo de realidade? E não será que este nosso inexplicável desejo de sermos eternos (e já os antigos egípcios, gregos e romanos sonhavam com a eternidade) tenha qualquer equivalente numa realidade extra-sensorial? Contudo, duvido que algum dia se possa provar seja o que for, neste campo. No estado dos nossos conhecimentos e pela racionalidade, vemos que não há qualquer prova credível de um Além-morte, sob qualquer forma vital possível.

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    2. Caro Francisco, há um filósofo francês (Edgar Morin) que sugere a existência da noosfera, onde as representações, os mitos e as ideias existem. Qualquer coisa como um mundo paralelo criado pelas nossas mentes (ao qual estamos ligados), dispondo até de uma certa autonomia. Um mundo que não existe por si só (acaba a humanidade e ele também acaba) mas que tem uma existência real/objectiva. Acho uma tese bastante interessante. Pode ajudar a explicar fenómenos como a aparição de espíritos, santos, etc.

      Em relação à energia vital, não tenho opinião sobre a sua natureza, mas seria não consciente. Citando uma velha máxima: "Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma".

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    3. Caro Miguel,
      Não conhecia nem Edgar Morin nem a sua tese da noosfera. Parece-me mais uma fantasia para explicar um fenómeno que só existe na mente - doentia?! - de algumas pessoas: existência e aparecimento de espíritos, santos, virgem, etc. O cientista Carl Sagan, no seu livro "Um mundo infestado de demónios" afirma - cito de cor - que nenhum dos fenómenos ditos paranormais resiste a uma avaliação pelo método científico.
      Como, por formação racionalista, não acredito nesses mundos, prefiro Carl Sagan a Morin.
      PS: Sobre as supostas aparições da Virgemn em Fátima já aqui escrevi uma meia-dúzia de textos. Lá para Maio, voltarei ao assunto, para chamar "àquilo", provando, um crime eclesiástico contra três crianças indefesas intelectual e emotivamente.

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  2. Excelente comentário do Senhor Gomes!

    Feito no artigo Inicial.

    -x-x-x-x-x-

    Professor Domingues

    Apesar dos seus bem explicados Artigos, sobre a Imortalidade da Alma. Este problema (para não dizer enigma) continua em aberto. Da maneira como explicou. O Professor Domingues “peca” em dissecar, analisar, esmiuçar todas as coisas.
    Nos casos como estes Corpo e Alana. Eu tenho muita dificuldade de vê-los detalhadamente esmiuçados. Para mim é mais fácil ver o Todo. Eu gosto de ver as coisas no Seu Todo.

    O que está faltando, hoje aos homens da Ciência. É a capacidade Intuitiva de ver, entender as coisas no seu Todo (como elas são). Exemplos:
    Einstein; a Teoria (para ele não foi teoria ) da Relatividade. E=mc2.
    Espinosa; a sua Ideia de Deus. Como Substância única.

    Por outro lado. Não se deve colocar a Ciência num Pedestal e “Adorá-la”. Como Verdade Absoluta. Que tenha soluções, como neste caso Corpo e Alma, que Ela própria não entende Racionalmente!
    A Ciência é o resultado de conhecimentos adquiridos (conquistados) ao Desconhecido (Inconsciente).
    O que se Prova Hoje. Amanhã com uma nova Descoberta.”Tudo cai por terra.”

    Resumindo
    A Ciência
    É a Barreira
    Para lá fica
    O que não Sabemos

    Jc

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