Natal, festa da partilha
Antes de abordarmos a
problemática inventiva do Natal, lembremos, por exemplo, Santiago de
Compostela. Historicamente, a fazer fé nos evangelhos, sabe-se que Tiago foi um
dos discípulos de Jesus e que terá sido assassinado em Jerusalém e aí,
obviamente, sepultado. No entanto, a lenda fá-lo apóstolo da Ibéria e, embora
tenha morrido em Jerusalém, os seus discípulos trouxeram o corpo para o extremo
norte da Península, a Galiza, sepultando-o no lugar de Compostela. O túmulo
terá sido encontrado milagrosamente, no séc. IX e, desde então, as
peregrinações a esse lugar foram aumentando, não só de Espanha, mas também de
França, Inglaterra, Portugal, entre outros, tendo-se, no entanto, construído
uma magnífica igreja no local do suposto achado, bem como aposentos para acomodar
os cansados peregrinos.
Nesta situação lendária e sem
qualquer suporte histórico válido, estão todos os santuários do mundo, muitos
deles de fama regional, outros de renome internacional, como Fátima em Portugal
ou Guadalupe no México. E há sempre devotos e fiéis em romaria, ora pagando
promessas feitas em tempos de aflição, ora fazendo turismo, o já chamado
turismo relogioso, dando largo contributo financeiro e muito prestígio à Igreja
que não descura tal fonte de receitas…
E o Natal? Que belas
recordações tenho eu da época natalícia da minha meninice, em que me deliciava
com os bombons que o Menino Jesus me deixava no sapatinho, naquela noite
venturosa! Que gostinho, santo Deus! Não tivesse havido Natal e eu de nada
daquilo teria saudades…
Mas o Natal, do ponto de
vista histórico, enferma essencialmente de duas grandes não-verdades:
1 – Jesus não nasceu a 25 de
De Dezembro: desde a antiguidade que se celebrava o solestício do Inverno, por
ser o momento de viragem do ano, em que os dias começavam a crescer, havendo
pois mais luz e mais esperança em boas colheitas e novos frutos. E as festas
eram dedicadas a Mitra, o Deus-Sol, festas acompanhadas de banquetes e reunião
de famílias bem como troca de presentes. A igreja nascente só pelo séc. IV é
que começou a dedicar importância ao nascimento de Jesus e – brilhante ideia! –
não haveria data melhor do que a deste solestício pois, comemorando-se aí o
Natal de Jesus, substituíam-se as festas pagãs em honra de Mitra, fazendo-se de
Jesus o “Sol”, a Luz do mundo…
2 – No evangelho de Lucas são
evidentes as influências de descrições do nascimento de deuses antigos, nos
quais também havia coros celestiais, estrelas anunciadoras do evento, visitas
cordiais umas, outras com maléficas intenções de perseguição ao deus que
ninguém sabia se vinha para fazer o Bem ou para infernizar a vida dos Homens.
Portanto, é muito provável que Jesus, além de não ter nascido em Dezembro, não
nasceu num estábulo, nem houve anjos a anunciar o seu nascimento aos pastores
(esta, impossível de todo porque os anjos simplesmente não existem!), nem reis
magos que seguissem uma estrela que os conduziria ao “presépio” e outros
pormenores deliciosos em escrita imaginativa mas que nada têm de histórico.
No entanto, são os pormenores
descritos por Lucas que deram origem às mais belas tradições musicais e
pictóricas que a humanidade conhece. Mais do que qualquer outro deus, rei ou
rainha, imperador ou imperatriz. E levaram à criação do formoso e tradicional
presépio, encanto de crianças e adultos, cuja primeira autoria se atribui a
Francisco de Assis, séc. XIII.
Assim, temos uma mãe que dá à
luz em situação quase humilhante, depois, o ambiente pastoril e idílico que
rodeia o acontecimento: animais do estábulo, criando um ar acolhedor atenuando
o rigor do frio, pastores que estariam no campo ao relento (coisa impossível em
Dezembro!) vindo alegremente cantando alleluias, depois, os reis magos trazendo
presentes…, enfim, um menino-Deus que nasceu assim tão pobrezinho, vá-se lá
saber porquê, deitado em palhinhas... Lá que é emocionante, é! Cativante
também! Inspirador, sem dúvida!
A invenção moderna do pai
natal e do pinheiro só vieram emoldurar o folclore essencialmente religoso que
existia.
Mas viva o Natal mesmo que não tenha existido Natal
nenhum, pelo menos como no-lo contam e como o festejamos! Pois o que importa é
a festa e o espírito de partilha e de solidariedade que o inspiram, que nos
inspiram!
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