Ainda no rescaldo da festa da Páscoa
Semana
Santa. Andaluzia, Espanha. De Sevilha a Cádiz, a Málaga, passando por Jerez de
la Frontera, mas também por povos mais pequenos, como Ronda ou Arcos de la
Frontera, o mesmo espectáculo, cada comunidade, apresentando as suas confrarias
ou irmandades, carregando andores com personagens referentes à paixão e morte
de Cristo, em procissões pelas ruas. Personagens em tamanho real. A Virgem
chorosa e o Cristo ensanguentado, como protagonistas principais. Andores
adornadíssimos, pesadíssimos, sendo necessários, em alguns casos, mais de uma
centena de homens possantes para os transportar, andando, passos lentos, comandados
por mordomos, ao ritmo de tambores e fanfarra: clarins estridentes, trompas e
trombones, trompetes e clarinetes. Música triste, dolente, estridente. Várias
procissões saindo das diferentes igrejas, na forma programada. Lentas, levando
horas a percorrer o percurso, bem assinalado por fiadas laterais de centenas de
cadeiras onde o público, ao frio, aprecia, com o conforto possível, o
espectáculo, ora silenciando ora batendo palmas à passagem de andores e
figurantes. Há mesmo palanques especiais para as autoridades políticas… Deprimente!
Penitente… Muitos dos que participam na procissão, incluindo crianças e jovens,
fizeram promessas que ali estão pagando, ou carregando o pesadíssimo andor, ou
vestidos da cabeça aos pés, encimando-se com um capuz que se alonga em cone cilíndrico,
mais de um metro acima da cabeça, cara tapada, apenas dois buracos redondos à
altura dos olhos: o penitente não deverá ser reconhecido… Todos levando na mão
algum artefacto religioso: ou báculos prateados – brilho é necessário! – cruzes
ou círios de um metro ou mais de altura, grossos como cajados, acesos,
debitando cera no negrume das calçadas. Algumas crianças divertem-se a
acendê-los conforme se vão apagando com o vento gelado.
Todos
os dias da Semana Santa, de Domingo de Ramos ao Sábado Santo. Uma avalanche…
Já, em
tempos, houve os que se chicoteavam as costas, sangrando às pancadas de cordas “adornadas”
com elementos cortantes. O corpo! O corpo pecador tinha de ser castigado… A
alma assim o ordenava! Tal, como ainda hoje, nas Filipinas, onde alguns acabam
crucificados. Há que imitar o pobre do Jesus Cristo sofredor de há dois mil
anos… E pagar promessas… Aqui, o costume foi proibido pela hierarquia. Um
grande feito, a nível intelectual!
Comentar
tal realidade – o mesmo se poderia dizer das Vias Sacras que nesta época
“festiva” se actualizam, como faz o papa junto ao coliseu de Roma – não
adianta. A Fé comanda a vida dos crentes. Emoções fortes precisam-se! Não serão
como as provocadas pelos espectáculos de futebol ou de música, mas aproximam-se
delas. Os não-crentes retêm o espectaculo como a manifestação da cultura de um
povo, integrado na civilização judaico-cristã. Apenas!
Historicamente,
o que se passou, há dois mil anos, nas ruas de Jerusalém, foi simples: um tal
judeu, chamado Jesus – que passara os três últimos anos da vida a pregar a
bondade, a fraternidade, o amor ao próximo, arregimentando inúmeros discípulos
– foi acusado de traição ao Imperador romano ocupante, por vingança da classe
sacerdotal, incluindo a classe dos escribas e fariseus, de quem dizia que
enganavam e exploravam o povo. E conseguiram que o procurador Pôncio Pilatos o
condenasse à morte de cruz, castigo normalmente aplicado aos que se insubordinavam
contra Roma. Os seus discípulos, embora naquelas horas de sofrimento o tivessem
abandonado, não se conformaram e, no domingo seguinte – Jesus morrera às três
horas de sexta-feira – quando foram ao sepulcro, não estando lá o corpo, começaram
a propalar o boato de que ele ressuscitara dos mortos, sem quererem saber de
mais explicações. Estavam, assim, lançados os fundamentos da religião cristã,
religião que se haveria de tornar, com o imperador Constantino, em 325, a
religião do Império.
O sr. insinua que os discípulos mentiram. E vai daí, passam a anunciar o Mestre e a falar d'Ele aos quatro ventos, com sacrifício da própria vida. Tudo isso em nome duma mentira!... Comportamento estranho esse, que no mínimo, faz pensar que algo mais se passou...
ResponderEliminarCaro Cisfranco, o que vem descrito nos evangelhos, quer a respeito da vida e obra de Jesus, quer o que se passou depois da sua morte, com os discípulos a comunicarem entre si que o Mestre estava vivo - tinha ressuscitado dos mortos! - com aparições a vários deles, com corpo que comia e bebia... (mistério para um corpo ressuscitado que seria glorioso e não de matéria que se alimentasse... - não quer dizer que seja verdade histórica. A questão é complexa para lhe responder em poucas linhas. A confusão, no momento, era enorme. A força anímica dos discípulos, após três anos de seguirem Jesus, mais com intentos terrenais do que "divinos", deveria ser muita, tal como a força da fraternidade universal pregada a escravos e gentios. Isso explicará muita coisa. Lembre-se: os originais dos evangelhos perderam-se; só possuímos cópias de cópias, do séc. III. Durante todo esse tempo, tudo foi possível acrescentar aos factos históricos ocorridos, para firmar na fé os novos crentes. (Haveremos de falar mais profundamente desta realidade.)
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ResponderEliminarÉ exactamente a origem dessa grande força anímica dos apóstolos que é necessário fundamentar, depois duma derrota e aniquilamento completo do Mestre. Estavam a propagar uma mentira, um boato de que Ele havia ressuscitado? Não é nada verosímil. Tem de haver algo mais. Cristianismo emergente a expandir-se em meio absolutamente adverso, com base numa mentira?!...
ResponderEliminarO processo do nascimento do cristianismo tem de ser visto em duas vertentes: 1 - a existencial - comum a qualquer religião - com o Homem a tender para a crendice por não saber explicar muitas coisas nem a sua própria consciência da morte 2 - a real, histórica e local, surgindo dentro de um povo judeu dado a crendices, naquele momento subjugado pelos romanos, nele proliferando vários movimentos religiosos: fariseus, saduceus, zelotas, os eremitas de Kumram. O Jesus com a sua mensagem de fraternidade universal foi aproveitada pelos seus discípulos e sobretudo por Paulo para lançarem os fundamentos de uma nova religião/seita que, para ter impacto, teria de se apresentar com milagres e feitos sobrenaturais de cunho divino e misterioso. Isso explica os inúmeros - e impossíveis! - milagres narrados pelos evangelistas, sobretudo Mateus, que escreveram uns 50 anos após a morte de JC. Mas concordo: as explicações não são fáceis!
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