sexta-feira, 7 de julho de 2017

Eu e o meu corpo


Perdoem-me ter de referir alguns dados que são do conhecimento geral mas que importa salientar para nos inserirmos no contexto.
Pensando na dicotomia clássica: alma e corpo, este aparece-nos como um conjunto de máquinas fantásticas, no interior e no exterior, máquinas que nos trazem vivos, desde a pele, até aos sistemas respiratórios, circulatórios, digestivos, auditivos, de visão, etc., etc., tendo uma configuração específica para cada humano, dos cabelos aos pés, todos semelhantes – pois humanos – mas todos diferentes.
A alma, por outro lado – a psiqué para os gregos, a anima para os latinos – significa espírito, sopro vital, inteligência (ou inteligências nas suas diversas valências: matemática, musical, rítmica, poética, etc.), emoção, sentimento (ou os sentimentos de amor, ódio, inveja, ganância, tristeza, alegria, o sorriso…), vontade, carácter ou maneira de ser, capacidade de decisão, consciência (ou consciência de si, o EU), conhecimento…
Mas facilmente nos apercebemos de que a alma não é autónoma do corpo, só por ele existindo, o mesmo acontecendo com o corpo que não sobrevive sem a alma, embora possa “viver” artificialmente, apoiado em máquinas, como acontece no estado de coma.
A imagem que melhor evidencia a dicotomia clássica será o do cadáver: ali está um corpo sem… alma – sopro vital. A alma deixou de existir no momento em que as funções da máquina-corpo cessaram. Mas o corpo continua corpo: dos cabelos aos pés. Sem vida, no entanto. E por pouquíssimo tempo: a degradação pode ser retardada, mas é inexorável: a Terra – ou a Natureza donde afinal veio e da qual se alimentou toda a vida – reclama a sua rápida reintegração nela.
O ser humano, como qualquer ser vivo – pese embora a sua especificidade de ser racional, com capacidade de raciocínios abstratos e conscientes – é, pois, um inseparável conjunto daquelas duas realidades.
No entanto, dadas as descobertas feitas acerca do cérebro – órgão altamente complexo, composto por milhares de milhões de neurónios e sinapses – concluiu-se que todas as propriedades da alma se encontram ali sediadas. Lógico será concluir que a alma é… o cérebro. Aliás, afecte-se este em uma qualquer das suas partes (lóbulos) e logo desaparece a valência da alma que aí se localiza e onde é activada. O cérebro comanda ainda uma boa parte da actividade corporal (a nível interno do organismo, os órgãos funcionam ou parecem funcionar automaticamente…), desde o localizar a dor, à cedência ao vício, ao instinto de conservação da vida, obrigando o corpo a fugir do perigo ou a ter a apetência sexual necessária para a reprodução da espécie, às sensações de fome, sede, etc., a todos os prazeres físicos ou espirituais…
Se há interdependência vital entre alma e corpo, há também interferência desta naquele e deste naquela. Preocupações, paixões, medos…, qualquer sentimento forte faz bater mais forte o coração, tira a vontade de comer, leva o corpo para o desleixo ou a cometer loucuras, arruinando a saúde.
Ponho-me em frente ao espelho e olho o meu corpo: ali estou eu! Melhor: eu e o meu corpo. Primeiro, vejo aquelas carnes com as formas moldadas pela Natureza e pelo ADN que me coube em sorte, mais ou menos potenciadas pelo meu empenho ou falta dele; depois, olhando mais profundamente, saio daquele corpo, ficando em seu lugar, primeiro um corpo sem alma, depois, o esqueleto que o sustém e articula; enfim, indo ainda mais longe no tempo próximo-futuro, vejo apenas um montículo de cinzas que, espalhadas pela Natureza que o alimentou, irão integrar-se em outros seres vivos ou não vivos, no eterno retorno do mesmo ao mesmo através do diverso, nada realmente se criando, nada se perdendo, mas tudo se transformando, como acontece desde sempre e para sempre… E nós a fazer parte desta Odisseia, deste Milagre que é a VIDA! Simplesmente FANTÁSTICO!
Então, para quê querer uma eternidade? Para quê querer o impossível: um ser criado num dado momento do Tempo a prolongar-se pela eternidade ou pelo infinito? Para quê um Céu ou um Inferno? É de sorrir aos que vendem tais ilusões e chamar-lhes simplesmente loucos. Loucos talvez não sejam, sobretudo os gurus, pois encontraram um modo de vida agradável, ganhando a mesma vida de mãos limpas, vendendo essas ilusões… Um modo até “simpático”, se não fossem as muitas desgraças e crimes que acompanham tais teorias religiosas, como relata a História antiga e actual. E, para admiração/espanto dos não crentes, esses gurus continuam a convencer centenas de milhões de que as ilusões que apregoam são a VERDADE sobre a realidade humana…
A crença afecta a alma. Indirectamente, mas muitas vezes, também o corpo. Quer pelas falsas promessas de que o sofrimento é redentor e salvífico e leva à eternidade num qualquer Paraíso junto de Deus…, levando à martirização, quer pela paz de espírito e panaceia que tal esperança gera nos mesmos crentes. Não sabemos é a até que ponto há a liberdade de acreditar!

No final, como filosofia de vida, para a alma e para o corpo, será o slogan latino “Carpe diem!” – VIVE O MOMENTO! Sem nos esquecermos, claro, quer no prazer, quer no trabalho, de que temos coração…

2 comentários:

  1. "A alma, por outro lado significa espírito, sopro vital, inteligência, emoção, sentimento, vontade, carácter ou maneira de ser, capacidade de decisão, consciência, conhecimento…"

    A alma, se é que tal entidade corresponde a uma qualquer realidade, não pode ser isso tudo. Se a alma é incorpórea, poderá ser espírito ou sopro vital mas não é certamente inteligência, emoção, sentimento, vontade, carácter ou maneira de ser, capacidade de decisão, consciência ou conhecimento. Estes são funções do cérebro e dependem em grande parte do ADN. Tanto o ADN como o cérebro são entidades físicas. Podemos influir sobre todas essas funções por meios químicos ou físicos e não me consta que se possa modificar a alma por esses processos. O cérebro, pois, não é a alma, ele faz parte do corpo e fica nele mesmo sem alma.

    Talvez a alma se possa definir como aquilo que faz funcionar o cérebro e, a partir daí, o resto do corpo. Até ao dia em que explique como funciona a electricidade do cérebro e se prove assim que a alma nunca existiu.

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  2. Sobre o que é a alma (ou não é!), talvez se aprenda mais lendo os livros do nosso neurocientista António Damásio, sobretudo "O sentimento de si". Uma coisa é irrefutável: a alma nasce com o corpo no momento da concepção e, nascendo inseparáveis, morrerão inseparáveis. E isto tanto para os humanos como para qualquer ser vivo, cada um segundo o seu ADN.

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