Perdoem-me ter de referir alguns dados que são do conhecimento
geral mas que importa salientar para nos inserirmos no contexto.
Pensando na dicotomia clássica: alma e corpo, este aparece-nos
como um conjunto de máquinas fantásticas, no interior e no exterior, máquinas
que nos trazem vivos, desde a pele, até aos sistemas respiratórios,
circulatórios, digestivos, auditivos, de visão, etc., etc., tendo uma
configuração específica para cada humano, dos cabelos aos pés, todos
semelhantes – pois humanos – mas todos diferentes.
A alma, por outro lado – a psiqué
para os gregos, a anima para os latinos
– significa espírito, sopro vital, inteligência (ou inteligências nas suas
diversas valências: matemática, musical, rítmica, poética, etc.), emoção,
sentimento (ou os sentimentos de amor, ódio, inveja, ganância, tristeza,
alegria, o sorriso…), vontade, carácter ou maneira de ser, capacidade de
decisão, consciência (ou consciência de si, o EU), conhecimento…
Mas facilmente nos apercebemos de que a alma não é autónoma do
corpo, só por ele existindo, o mesmo acontecendo com o corpo que não sobrevive
sem a alma, embora possa “viver” artificialmente, apoiado em máquinas, como
acontece no estado de coma.
A imagem que melhor evidencia a dicotomia clássica será o do cadáver:
ali está um corpo sem… alma – sopro vital. A alma deixou de existir no momento
em que as funções da máquina-corpo cessaram. Mas o corpo continua corpo: dos
cabelos aos pés. Sem vida, no entanto. E por pouquíssimo tempo: a degradação
pode ser retardada, mas é inexorável: a Terra – ou a Natureza donde afinal veio
e da qual se alimentou toda a vida – reclama a sua rápida reintegração nela.
O ser humano, como qualquer ser vivo – pese embora a sua
especificidade de ser racional, com capacidade de raciocínios abstratos e
conscientes – é, pois, um inseparável conjunto daquelas duas realidades.
No entanto, dadas as descobertas feitas acerca do cérebro – órgão
altamente complexo, composto por milhares de milhões de neurónios e sinapses – concluiu-se
que todas as propriedades da alma se encontram ali sediadas. Lógico será
concluir que a alma é… o cérebro. Aliás, afecte-se este em uma qualquer das
suas partes (lóbulos) e logo desaparece a valência da alma que aí se localiza e
onde é activada. O cérebro comanda ainda uma boa parte da actividade corporal (a
nível interno do organismo, os órgãos funcionam ou parecem funcionar
automaticamente…), desde o localizar a dor, à cedência ao vício, ao instinto de
conservação da vida, obrigando o corpo a fugir do perigo ou a ter a apetência
sexual necessária para a reprodução da espécie, às sensações de fome, sede,
etc., a todos os prazeres físicos ou espirituais…
Se há interdependência vital entre alma e corpo, há também
interferência desta naquele e deste naquela. Preocupações, paixões, medos…,
qualquer sentimento forte faz bater mais forte o coração, tira a vontade de
comer, leva o corpo para o desleixo ou a cometer loucuras, arruinando a saúde.
Ponho-me em frente ao espelho e olho o meu corpo: ali estou eu!
Melhor: eu e o meu corpo. Primeiro, vejo aquelas carnes com as formas moldadas
pela Natureza e pelo ADN que me coube em sorte, mais ou menos potenciadas pelo
meu empenho ou falta dele; depois, olhando mais profundamente, saio daquele
corpo, ficando em seu lugar, primeiro um corpo sem alma, depois, o esqueleto
que o sustém e articula; enfim, indo ainda mais longe no tempo próximo-futuro,
vejo apenas um montículo de cinzas que, espalhadas pela Natureza que o
alimentou, irão integrar-se em outros seres vivos ou não vivos, no eterno
retorno do mesmo ao mesmo através do diverso, nada realmente se criando, nada
se perdendo, mas tudo se transformando, como acontece desde sempre e para
sempre… E nós a fazer parte desta Odisseia, deste Milagre que é a VIDA!
Simplesmente FANTÁSTICO!
Então, para quê querer uma eternidade? Para quê querer o impossível:
um ser criado num dado momento do Tempo a prolongar-se pela eternidade ou pelo
infinito? Para quê um Céu ou um Inferno? É de sorrir aos que vendem tais
ilusões e chamar-lhes simplesmente loucos. Loucos talvez não sejam, sobretudo
os gurus, pois encontraram um modo de vida agradável, ganhando a mesma vida de
mãos limpas, vendendo essas ilusões… Um modo até “simpático”, se não fossem as muitas
desgraças e crimes que acompanham tais teorias religiosas, como relata a
História antiga e actual. E, para admiração/espanto dos não crentes, esses
gurus continuam a convencer centenas de milhões de que as ilusões que apregoam
são a VERDADE sobre a realidade humana…
A crença afecta a alma. Indirectamente, mas muitas vezes, também o
corpo. Quer pelas falsas promessas de que o sofrimento é redentor e salvífico e
leva à eternidade num qualquer Paraíso junto de Deus…, levando à martirização, quer
pela paz de espírito e panaceia que tal esperança gera nos mesmos crentes. Não
sabemos é a até que ponto há a liberdade de acreditar!
No final, como filosofia de vida, para a alma e para o corpo, será
o slogan latino “Carpe diem!” – VIVE O MOMENTO! Sem nos esquecermos, claro,
quer no prazer, quer no trabalho, de que temos coração…
"A alma, por outro lado significa espírito, sopro vital, inteligência, emoção, sentimento, vontade, carácter ou maneira de ser, capacidade de decisão, consciência, conhecimento…"
ResponderEliminarA alma, se é que tal entidade corresponde a uma qualquer realidade, não pode ser isso tudo. Se a alma é incorpórea, poderá ser espírito ou sopro vital mas não é certamente inteligência, emoção, sentimento, vontade, carácter ou maneira de ser, capacidade de decisão, consciência ou conhecimento. Estes são funções do cérebro e dependem em grande parte do ADN. Tanto o ADN como o cérebro são entidades físicas. Podemos influir sobre todas essas funções por meios químicos ou físicos e não me consta que se possa modificar a alma por esses processos. O cérebro, pois, não é a alma, ele faz parte do corpo e fica nele mesmo sem alma.
Talvez a alma se possa definir como aquilo que faz funcionar o cérebro e, a partir daí, o resto do corpo. Até ao dia em que explique como funciona a electricidade do cérebro e se prove assim que a alma nunca existiu.
Sobre o que é a alma (ou não é!), talvez se aprenda mais lendo os livros do nosso neurocientista António Damásio, sobretudo "O sentimento de si". Uma coisa é irrefutável: a alma nasce com o corpo no momento da concepção e, nascendo inseparáveis, morrerão inseparáveis. E isto tanto para os humanos como para qualquer ser vivo, cada um segundo o seu ADN.
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