Imaginemo-nos no real da cena da ressurreição de Lázaro: “Lázaro, sai cá para fora!” E Lázaro, apesar de atadas mãos e pernas, ali aparece, sem cheiros de morte de quatro dias, talvez sorridente, talvez estremunhado, esfregando os olhos, não sabemos se agradecendo, se apenas orgulhoso de ter vencido a morte – embora por interposta pessoa, interposto poder – e... foi à sua vida. Certamente, comer e beber, pois era necessário colmatar fome e sede para não, logo ali, voltar a morrer de inanição! Mas... foram quatro dias, senhores! E, em quatro dias, há forte degradação de todos os tecidos corporais. Portanto, à voz de comando de Jesus, todas aquelas células, em correria louca, ou num ápice, voltaram para o seu lugar, irrigadas de sangue arterial, o coração ganhou o ritmo perdido, a respiração, inicialmente ofegante, passou rapidamente a normal, os olhos abriram-se de novo à luz, a face apareceu aos presentes, rosada, manifestando vida e saúde, a alegria do regresso transbordando pelos poros da pele... Lázaro era um homem novo e os quatro dias que passara no Além – e teria sido muito interessante para os parapsicólogos da altura terem-no interrogado sobre tão profícuo lapso de tempo em aventuras celestiais ou infernais, tirando conclusões que ficariam para a História acerca de um estado post-mortem! – deram-lhe certamente uma nova perspectiva da vida aquém e além para que aproveitasse a terrena da melhor forma possível... Infelizmente, nada mais é dito sobre o assunto: uma perda irreparável! O taumaturgo divino, além de se preocupar com o modus operandi dos elementos em causa – neste caso, os biliões de células que compõem o corpo humano, a começar e a acabar no cérebro – também poderia ter em conta virtualidades circunstanciais do acto!
Mas... um grande “Mas” se projecta no horizonte da veracidade ou falsidade deste empolgantemente bem descrito fenómeno: aparecer apenas em João, o último dos evangelistas, que terá escrito o seu evangelho bem nos finais do séc. I. E faz dele derivar toda a narrativa seguinte, pondo uma população admirada à procura de Jesus e os fariseus, cheios de inveja por perderem carisma e protagonismo diante do povo, com Caifás na liderança, apelando para o perigo que a Pátria corria, tentando, pois, liquidá-lo. A ter sido verdadeiro tamanho milagre, que certamente correu mundo através da multidão embevecida presente, alguma vez teria passado despercebido a Mateus, o maior inventor de milagres realizados por Jesus? – Nunca! Absolutamente impensável! Esta foi uma lacuna que os falsários dos séc.s III e IV deixaram passar e que se revela actualmente de consequências terríveis: a descrença total em tal milagre admiravelmente descrito por João, mas que existiu apenas na sua cabeça para emoldurar o “romance” religioso que escrevia sobre um Jesus de quem, havia muitos anos, como ele diz, tinha sido o predilecto... Ora, sendo este um falso milagre, o que poderemos – ou deveremos! – concluir de todos os outros? Melhor: como poderemos distinguir o que é factual do que é fantasiado nas narrativas evangélicas?
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