O nascimento de Vénus, Boticelli
1 – Numa perspectiva terrenal, sem olhar o… céu!
Quem
diz: “Isto, a vida, é uma maçada!”, “A vida está difícil”, “A vida é
complicada!”, não será certamente por detestar a própria vida mas apenas pelo
modo como a cada um é permitido vivê-la. E não há dúvida que muitos dramas
existem por esse mundo fora, dramas nas nossas próprias vidas, dramas nas vidas
dos que nos estão perto. Para muitos – infelizmente, a maior parte! – o drama é
a luta pela sobrevivência, pelo conseguir o pão do dia-a-dia, pelo fugir às
guerras, às doenças, às intempéries, estando as sociedades humanas organizadas
de tal modo que a vida apenas foge a esses parâmetros infernais numa
percentagem pequena da população, digamos uns 10% dos sete mil milhões que já
somos, numa Terra saturada de humanos… E, claro, há os que, tendo todas as
necessidades básicas satisfeitas, inventam dramazinhos no dia-a-dia,
infernizando a vida dos outros e a própria, valorizando coisas mesquinhas,
fazendo beicinho pela falta de uma atenção, de um beijo, de um carinho...,
sinal óbvio de estupidez e de espírito não pensante, pois não se valoriza o bom
e o positivo que a vida tem, nem se sabe cultivar o sorriso.
Para
minimizar/anular os efeitos dos pequenos azares, sejam no plano físico sejam no
psicológico, que nos vão acontecendo no dia-a-dia, propõe-se um simpático
exercício:
1
– Deitar-se confortavelmente em fofo tapete; 2 – Fechar os olhos e descontrair
completamente; 3 – Sentir-se a desaparecer, primeiro a carne, ficando o
esqueleto, depois os próprios ossos, levando o vento, num sopro, as cinzas que
ainda restam… Aí, teremos a noção exacta do que realmente somos: NADA! E, quer
queiramos ou não, quer o admitamos ou não, quer o façamos repercutir nas nossas
vivências ou não, a realidade nua e crua, a realidade inexorável, a única
VERDADE ABSOLUTA acerca de nós aí está: NASCEMOS, VIVEMOS, MORREMOS!
Inexoravelmente! É: o ETERNO DESAPARECIMENTO, com os nossos átomos e moléculas
a incorporarem-se em outros seres vivos ou não vivos, é o nosso inexorável
destino…
Então,
a pergunta impõe-se: se a vida está condenada à morte, valerá a pena viver? Valerá
a pena lutar pela sobrevivência? Valerá a pena uma vida cheia de sofrimentos,
nem sequer tendo tempo ou disposição – estômagos vazios, carteira vazia, bolsos
vazios! – para olhar as estrelas e saborear o Sol que em cada manhã se levanta?
Que mal faz que nos suicidemos, sobretudo se mais não fazemos na vida do que
lutar, sofrendo, para sobreviver? Ou: que nos adianta a glória de ter vindo à
vida, se nos calhou em sorte uma vida de sofrimento? (Deixemos de parte, por
irrelevante, esses suicidas fundamentalistas que pensam acordar do “outro
lado”, no Paraíso – Paraíso, obviamente não existente! – se se imolarem por uma
“boa causa”…)
Suicídio!
– Oh, não! Seria um desperdício, uma injustiça sem perdão – embora não haja
ninguém para condenar o suicida! – contra a própria vida, este dom fantástico
que só a poucos é concedido, seja pela Mãe-Natureza, seja pelo Deus em quem
cada um acredita. Lembrem-se: dos cinco milhões de espermatozoides que lutaram
para atingir o óvulo que nos deu origem, só o “nosso” triunfou gloriosamente; e
aí fomos nós concebidos, tendo sido relegados para o lixo os outros 4.999.000!
Então, perante tamanha façanha da luta pela vida e para sermos nós e não um
nosso suposto irmão, que aliás nunca o seria porque nós simplesmente não éramos,
se fosse ele o escolhido…, íamos assim destruir a única hipótese que nos foi
dada para apreciarmos a luz, o Sol, as estrelas, toda a beleza do Céu, da
Terra, do Universo?
Ah,
a VIDA! Como deveríamos agarrá-la com ambas as mãos e vivê-la sempre
intensamente, em cada momento de cada dia, de cada noite que passam por nós,
num ápice de tempo, e que nunca mais se repetem…, sempre os primeiros dia ou
noite do resto das nossas vidas, do tudo que nos falta viver! E, seja qual for
a nossa idade, o que nos falta viver, será sempre tão pouco, tão pouco, tão
pouco!…
Que
a vida seja luta, que seja! Que não deva ser desperdiçada, não deve! Que se
trabalhe para que tenhamos uma vida boa e digna, nós e os que nos rodeiam de
perto ou de longe, sem dúvida! Mas… VIDA! Sempre a jorros! Sempre sorrindo!
Sempre cantando e dançando, pois viemos à VIDA para que esta fosse uma festa
perene e não um inferno ou um pesadelo. E, por este objectivo, vale a pena
lutar. Aliás, lutar por um mundo melhor para todos – para nós também, obviamente!
– será uma excelente forma de sorrir à VIDA!
Viva,
pois, o SORRISO, mesmo quando a vontade seja de chorar!...
Estou
escrevendo, sentado num jardim, fazendo-me sombra uma frondosa palmeira. Terá
talvez a minha idade. Mas viverá certamente muito para além de mim e, quem
sabe, talvez ainda se alimente de alguma molécula minha quando as minhas cinzas
forem espalhadas ao vento, do alto de um qualquer penhasco à beira-mar. No
entanto, há também, à minha frente, flores que revelam a fragilidade e a
fugacidade da vida: ontem tão charmosas e cheias de cor, hoje já fenecendo,
incapazes de fugir ao ciclo: nascimento-vida-morte. E chegou uma borboleta:
gloriosa na sua profusão de cores apelativas para qualquer companheiro; para
essa, será apenas a espera pelo acasalar e passar o “testemunho”, antes da
morte que a espreita já ali no fim da tarde… Claro, não esqueço de olhar o céu:
as nuvens deslizam suaves ao sabor da brisa, deixando brilhar lagos de azul
profundo. É assim, neste preciso momento, era assim há cem, mil, há milhões de
anos; e continuarão assim ainda pelos 4 mil e quinhentos milhões de anos que a
Terra tem de vida… Com formas semelhantes mas nunca iguais… Para gáudio dos
que, em sucessivas gerações, souberem olhar o céu… A nossa oportunidade é…
ESTA! Outra chance não a teremos, de certeza absoluta! Por isso…
Que
sorte a nossa termos vindo à VIDA! Que SORTE!
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