sábado, 24 de novembro de 2012

Quem me chamou Jesus Cristo? O Menino Jesus existiu? (7/?)

    Respondi, sem me atemorizar, na minha irreverência de adolescente:
    − Muitas são as perguntas a que quereis que eu responda, senhores. Pois bem: contar-vos-ei primeiro quem sou, de onde venho e onde aprendi de cor toda a Escritura. Depois, discutiremos as vossas, as minhas ideias.
    Embora contrariados com este rematar de “Depois discutiremos as vossas, as minhas ideias”, mas vencidos mais pela curiosidade do que pela repulsa natural causada pela sobranceria algo insolente do jovem que eu era, nada disseram e aguardaram o meu discurso que começou assim:
    − Eu sou Jesus, filho de um carpinteiro de Nazaré. Nasci há doze anos em Belém de Judá mas desde que me conheço que vivo com meus pais e meus irmãos naquela cidadezinha da Galileia.
    Não gostaram os Doutores daquele nascer em Belém. Eu manifestava saber fora do comum, dissertação não própria de tão pouca idade. Como já estavam fartos do frequente aparecimento de messias, dizendo-se enviados por Deus para salvar e libertar Israel, havendo no ar a ideia de fim dos tempos e da vinda de um reino libertador para todo o sempre do Povo de Israel do jugo de outros povos, naquele caso, do jugo romano, e como as Escrituras profetizavam que Belém seria o berço do Messias (Aqui, todos sabiam de cor o oráculo de Javé colocado na boca do profeta Miqueias: «Mas tu, Belém de Efrata, tão pequena entre as principais cidades de Judá, é de ti que sairá para Mim aquele que há-de ser o chefe de Israel!»), poderiam estar perante mais um que se apresentaria como tal e que, em breve, lhes iria trazer muitas dores de cabeça. Se por um lado todos aqueles “sábios” ansiavam pelo Messias, por outro, todos O temiam por não saberem o que lhes aconteceria a eles e aos seus poderes, benesses e regalias... No entanto, continuaram ouvindo:
    − Desde pequenino que lá em casa se lêem os Textos Sagrados. De tal modo que, mesmo indo à sinagoga apenas aos sábados, já não há sentença, ditame, salmo ou versículo que não saiba de cor, podendo sobre eles falar e discutir o tempo que vos aprouver.
    Arregalaram-se-lhes os olhos de espanto e, embora descrentes das minhas palavras, disfarçaram a custo a inveja de tamanha memória. É que eles, apesar da já tão provecta idade, ainda tinham de se socorrer dos pergaminhos para citarem, na íntegra, textos com que pretendiam provar afirmações que iam proferindo. Claro que não me intimidei:
    − Meus pais e eu descemos até Jerusalém. Eles foram às suas vidas e eu vim ao Templo, não para orar a Javé mas curioso por saber do que se discutia aqui, ouvir os vossos sábios comentários, conhecer as vossas altíssimas ideias na interpretação dos Santos Profetas.
    Sorriram. Gostaram daqueles “sábios comentários e altíssimas ideias”. E, sem mais, para me experimentarem e ao mesmo tempo cativados pela simpatia de tão estranha personagem que eu era, uma espécie de jovem-luz no meio daquela velharia falante, para sentirem o prazer de presenciarem memória tão prodigiosa, cada um ia-me propondo que recitasse este e aquele texto, esta e aquela profecia, provérbio, salmo ou cântico, esperando a todo o momento que eu me enganasse ou me engasgasse por algum lapso de memória, acabando-se-me, em risos de troça, a prosápia que alardeara, dando azo a gozo e sorrisos displicentes. Mas, para espanto de todos, tal não aconteceu. E grande foi o desassombro daqueles sumos dignitários rendidos, boquiabertos, às minhas intervenções e tiradas, voz de adolescente, a ponto de se esquecerem de trocar ideias sobre os textos sagrados com tão estranho e cativante “fenómeno”. Prolongou-se sim o espectáculo de solicitações e recitações até que todos se deram por satisfeitos acabando, no entanto, por me convidarem a voltar sempre que quisesse. Se possível, no dia seguinte. Seria um bem-vindo do Templo! Com tal convite, demorei-me por ali três dias, sem sequer de tal decisão ter avisado os meus pais que andaram aflitos à minha procura, não me encontrando na caravana que já caminhava de regresso a Nazaré.
    Por entre aqueles dignitários, encontrava-se alguém que iria ter uma influência decisiva na minha vida: o fariseu Nicodemos, um dos mais novos de tão distinta assembleia de anciãos.

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