Brilhando como discípulo em tais escolas, deixava-se fascinar pelas filosofias, as matemáticas, as literaturas, as astronomias, e deliciava-se a confrontar as mitologias dos diferentes povos para avaliar com o seu espírito crítico até que ponto tinham algo de verdade ou era tudo invenção humana. Tentando então situar o Homem perante tais realidades, sentia-o perturbado, dependente das forças incontroláveis da Natureza, dependente sobretudo dos mistérios que envolviam Céus e Terra; e ele, Nicodemos, não vislumbrava para esses mistérios qualquer luz que lhe viesse do largo conhecimento das Sagradas Escrituras em que havia sido instruído desde a sua meninice. Parecia-lhe um mundo irreal aquele com que se deparava. Um mundo muito mais de fantasia que de verdadeiros milagres realizados por deuses que tinham sido seriados, inventados, esculpidos pelos Homens e a quem agora os mesmos Homens prestavam honras de verdade e de vassalagem. E lembrava-se dos diversos deuses de madeira, de barro, ouro ou prata que os Israelitas fizeram com as próprias mãos, ao longo dos séculos, desde logo na travessia do deserto, vindos do cativeiro do Egipto, elevando-os depois sobre um pedestal, prostrando-se diante deles e adorando-os, prestando-lhes culto e homenagem, “deuses” contra os quais Javé, o Deus único e verdadeiro, tanto lutara e pelos quais tantos castigos deixara que acontecessem ao seu “povo eleito”. E, apesar da rebeldia inconsequente própria da juventude, manifestava espírito atento, inconformado, gostando de contestar e questionar a herança recebida, analisando com argúcia o que dizia respeito à vida da sociedade ou à do Homem como indivíduo, neste caso, análise de si próprio. Realmente parecia-lhe o cúmulo da estupidez humana o Homem criar um deus de barro, madeira, ouro, cobre ou prata ou, mais sofisticadamente, na própria mente, e depois prostrar-se diante dele e adorá-lo, atribuindo-lhe atributos de todo-poderoso e de eterno, habitando um todo-misterioso mas apelativo Paraíso!...
Os anos da efémera juventude rapidamente passaram. E, regressado a Jerusalém, já em idade casadoira, ali se enamorou, como manda a tradição judaica, por bela judia de olhos verdes e longos cabelos negros que faria desejar a qualquer muçulmano, que a lobrigasse, tê-la como virgem a multiplicar por cem no Paraíso das Delícias prometido por Maomé aos que se imolam pela causa da sua religião em nome de Alá...
Mas o casamento não o prendeu na santa cidade. Cumpridos os deveres conjugais, deixando na sua terra a bela judia grávida, atraído mais pela aventura e o desconhecido do que pelo negócio, partiu com o pai até aos confins do Oriente, numa das caravanas que levavam meses nas transacções, difíceis que eram à época as deslocações e viagens.
Uma vez chegado a tão longínquas paragens, decidiu deixar o pai embrenhado nos meandros dos complicados negócios, e ir falar com sacerdotes e monges, gurus e mestres, os dalai-lamas de hoje, tentando decifrar o que havia de interessante naquelas filosofias e religiões, nos conhecimentos que tinham de medicinas alternativas, segredos que levavam a curas milagrosas sem terem de apelar para o divino... Aliás, sempre se interrogara sobre a veracidade de todos aqueles milagres que as Escrituras narravam, desde a vara de Moisés que, tocando a rocha, fez dela jorrar água, ao maná do deserto, às curas mirabolantes, chegando-se à ressurreição de mortos – nesta então é que não acreditava de modo algum – embora lhe parecessem credíveis as curas de epilépticos e endemoninhados pela imposição das mãos por sábios aplicadores de tais conhecimentos.
Destas suas experiências e aprendizagens me deu conta quando, regressado, encontrando-me no Templo, me convidou para sua casa e aí me propôs um périplo de vida que me encantou e que eu, sem hesitar, decidi seguir, a partir da minha juventude.
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